Demolição na Fontes Pereira de Melo. Uma pergunta directa a Ricardo Veludo
Caro sr. engenheiro, que tenciona fazer ou continuar a (não) fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX!?
A 28 de Fevereiro de 2008 formulava eu aqui, desde já através de um título, uma pergunta fundamental: que fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX em Lisboa?
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A 28 de Fevereiro de 2008 formulava eu aqui, desde já através de um título, uma pergunta fundamental: que fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX em Lisboa?
Entre o ‘fazer’ ou ‘continuar a deixar fazer’ esta pergunta era dirigida aos responsáveis da CML e da “Cultura”. Entre estas duas dimensões em que os vereadores do Urbanismo operam e decidem, existe uma vasta realidade estratégica, camuflada e tácita, de interesses instalados, nomeações políticas e pressões contínuas de promotores e Arquitectos ‘Criativos’ a que esses mesmos vereadores estão sujeitos.
Agora que o “reinado” de Manuel Salgado terminou, as atenções viram-se em expectativa para o eng. Ricardo Veludo e para a questão do ‘continuar, ou não, a deixar fazer’.
No caso dos três notáveis edifícios que formavam um conjunto patrimonial com o Palácio Sotto Mayor e uma verdadeira ‘ilha de resistência’ à demolição do pouquíssimo que resta na avalanche de arranha-céus que passou a caracterizar esta avenida, repetiu-se o padrão, em fases já ‘clássicas’ de procedimento: começa-se pela remoção das coberturas e deixam-se janelas abertas. Passa-se à demolição de interiores, considerados em perigo de derrocada.
Deixam-se as fachadas sustentadas a apodrecer num “engonhanço” propositado, enquanto os protestos do público e as deliberações se desenvolvem, até se chegar à inevitabilidade da demolição devido a questões de (in)segurança estrutural.
No caso destes três edifícios, o processo adquiriu dimensões mais perversas, trocando-se o Valor Patrimonial Arquitectónico e Urbanístico por um “Valor Cultural” através da assim chamada Arte Urbana. Assim, maquiavelicamente e subtilmente, relativizou-se o critério original de valor arquitectónico, camuflando-o através da sua redução a mero suporte de pinturas temporárias. Os edifícios passaram assim a ter portanto o estatuto de ‘a prazo’ e de ‘prontos a demolir’. Uma espécie de letreiro implícito a anunciar: “aquilo”... “já não vale nada”.
Olhando para um outro notável conjunto de edifícios da mesma época, os 86 a 96 da Av. Duque de Loulé, e acompanhando o processo num artigo publicado por José António Cerejo a 14 de Julho de 2015 verificamos que o processo de licenciamento durou treze anos, nos quais depois de grandes polémicas públicas, em 2009 houve um momento de esperança em que ‘foi aprovado um outro projecto que obrigava à preservação dos interiores, incluindo a “organização espacial do desenho original” e a “maior parte dos elementos decorativos existentes”. Mas o desfecho foi clássico, com a demolição total dos valiosos interiores em 2015. Neste caso, as notáveis e restauradas fachadas ainda lá estão a lembrar-nos dolorosamente daquilo que perdemos nos interiores.
Este processo tem-se repetido continuamente e vezes sem conta, numa destruição sistemática do património arquitectónico do séc. XIX e dos inícios do séc. XX. Caro sr. engenheiro Ricardo Veludo, que tenciona fazer ou continuar a (não) fazer com o que resta do património arquitectónico do séc. XIX!?