Aos 190 anos, a Confeitaria Nacional é monumento de interesse público

Centenária confeitaria da baixa lisboeta recebeu classificação, assim como a Ourivesaria Barbosa e Esteves, o Liceu Maria Amália e o complexo da Companhia União Fabril (CUF), no Barreiro.

Foto
Tiago Machado/Arquivo

É um reconhecimento para o estabelecimento, mas também o é para o comércio tradicional e histórico de Lisboa, que vive, por esta altura, dias difíceis: a quase bicentenária Confeitaria Nacional é já um monumento de interesse público. 

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É um reconhecimento para o estabelecimento, mas também o é para o comércio tradicional e histórico de Lisboa, que vive, por esta altura, dias difíceis: a quase bicentenária Confeitaria Nacional é já um monumento de interesse público. 

​Segundo o despacho da secretária de Estado adjunta e do Património Cultural, Ângela Carvalho Ferreira, publicado em Diário da República esta segunda-feira, a classificação abrange o “piso térreo e primeiro andar, incluindo o património móvel integrado”, entre a Praça da Figueira, 18-A a D e na Rua dos Correeiros, 238, e põe fim a um procedimento que se estendia desde 2017. 

A casa abriu portas em 1829, no rescaldo da Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas, pela mão de Balthazar Rodrigues Castanheiro, que conseguiu “rapidamente, transformar o espaço — único no seu género — num dos lugares de eleição das elites lisboetas. Manteve-se sempre na mesma família e é ainda hoje reconhecida pelo famoso bolo-rei, uma receita que um confeiteiro terá trazido de Paris. 

Já em 1920, a então quase centenária Confeitaria Nacional, inaugurou uma sala de chá ao lado da loja, o que permitiu estender a actividade da confeitaria à pastelaria. “Apesar de terem sido realizadas remodelações posteriores, o património integrado dessa época permaneceu no estabelecimento tendo sido muito valorizado pela intervenção realizada entre 1999 e 2002, quando foi iniciada a actividade de restauração no primeiro andar. Encontram-se também preservados o mobiliário e as pinturas que decoram o tecto da loja desde o século XIX”, lê-se no despacho de classificação. 

Para este reconhecimento pesou o facto de este estabelecimento ser “testemunho notável de vivências ou factos históricos”, mas também pelo seu “valor estético, técnico ou material intrínseco do bem e a concepção arquitectónica e urbanística”. 

Em Novembro, a dias de celebrar o 190.º aniversário, correram pela cidade rumores de um possível encerramento. Que foi prontamente desmentido pelos seus responsáveis. “Vamos ficar no mesmo sítio, esperamos que por muitos anos”, garantiu então ao PÚBLICO Fernanda Vicente, uma responsável da empresa. 

No lote de estabelecimentos e imóveis classificados, está também a Ourivesaria Barbosa e Esteves, incluindo a sua cave e o património integrado. Esta loja da Rua da Prata ali foi instalada em 1890, num prédio erguido logo a seguir ao terramoto de 1755, numa das artérias destinadas ao comércio de ouro ou de prata, segundo o modelo de organização idealizado por Marquês de Pombal. É detida pela mesma família desde a sua fundação.

A ourivesaria foi sendo alvo de obras que lhe conferiram o aspecto que se mantém até hoje. “As mais significativas tiveram lugar entre 1927 e 1932, segundo projecto dos arquitectos Luís da Cunha e José Ângelo Cottinelli Telmo”, refere o despacho de classificação.

O projecto era então “muito arrojado” para a época, fruto da experiência de Cottinelli Telmo nas artes gráficas e gosto pelo detalhe ornamental, tendo usado materiais e técnicas modernas como a pintura a alumínio, placas lisas de mármore colorido, painéis de espelho e ferragens niqueladas — o que confere uma riqueza única aos interiores da ourivesaria.

Entre 1974 e 1979, o estabelecimento seria ampliado, sob a direcção do engenheiro Augusto Relvas Pires, passando a ocupar o espaço de uma antiga leitaria e uma cave para a acolher o cofre e uma sala de exposição.

CUF e Liceu Maria Amália também distinguidos 

O antigo Liceu Feminino de Maria Amália Vaz de Carvalho foi também esta segunda-feira classificado como monumento de interesse público. Instituído por decreto régio de 1906, foi o primeiro liceu feminino do país. Foi o arquitecto Miguel Ventura Terra o responsável por projectar o edifício da Rua de Rodrigo da Fonseca, 115, "com algumas alterações introduzidas por António do Couto de Abreu”, tendo clara influência dos modelos franceses dos Lycée. 

“Para além de manter a sua vocação educativa, o imóvel conserva ainda quase intacto o programa arquitectónico original, bem como um importante acervo de mobiliário, arquivos documentais e fotográficos, a colecção de instrumentos científicos dos laboratórios de Física e Química, e os espaços dedicados a Geografia e História, onde se conserva diversa cartografia, e a Biologia-Geologia, incluindo o depósito de Geologia e Mineralogia”, lê-se no despacho de classificação. 

Também o Palacete dos Condes do Alto Mearim, assim como o seu jardim e património integrado, na freguesia de Santo António, recebeu idêntica classificação por ser “representativo de uma tipologia urbanística e arquitectónica marcadamente burguesa, datável das últimas décadas do século XIX”. Apesar de ter sido alvo de alterações, estas não preteriram o seu “carácter tardo-romântico"; antes “acentuaram a nobreza deste edifício ecléctico”, nota o documento. 

Classificado como conjunto de interesse público está também o conjunto de imóveis ligados à actividade industrial e à obra social da Companhia União Fabril (CUF), no Barreiro, um dos maiores conjuntos industriais portugueses, que trabalhou quase um século. Instalada na ínsula do Barreiro desde 1907, a CUF “representa para Portugal o pioneirismo e gigantismo no seio das indústrias químicas nacionais, tendo criado sinergias para o desenvolvimento de fábricas congéneres.”. 

Foi ali localizada para aproveitar a proximidade ao rio Tejo e à estação de caminho-de-ferro do Sul, cuja ligação era fundamental para receber a maioria das matérias-primas provenientes das minas de pirite do Alentejo. “A CUF revolucionou a indústria em Portugal, na terceira geração da industrialização (indústria química), e representa para Portugal um exemplo paradigmático de industrialização, desenvolvendo e construindo uma verdadeira cidade industrial para acolher os milhares de trabalhadores que entretanto iam chegando ao Barreiro”, refere o documento. 

“O complexo da CUF mantém ainda hoje arquitecturas autênticas e de relevante valor histórico e cultural e social, testemunhando diversas fases de produção e de laboração de um dos maiores complexos industriais europeus e dos mais significativos enquanto património industrial português e inclui, ainda, toda uma série de equipamentos de natureza social.”

A classificação como conjunto de interesse público abrange a Casa-Museu Alfredo da Silva; antigo Posto da GNR; Edifícios da Primeira Geração Stinville (1907-1917); Edifícios da Antiga Central a Vapor; Armazém de Descarga e Moagem de Pirites; Bairro Operário de Santa Bárbara; antiga sede do Grupo Desportivo da CUF; Mausoléu de Alfredo da Silva; Silo de Sulfato de Amónio (1952); Silo de Enxofre (1960); e Museu Industrial e Centro de Documentação (antiga Central Diesel, 1928-1937). 

Com esta classificação, qualquer intervenção que seja feita nos imóveis ficará sujeita às restrições previstas na lei e depende da aprovação prévia da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).