Rhonda Fleming (1923-2020): morreu a rainha do Technicolor

Com uma carreira só possível na época de ouro dos grandes estúdios de Hollywood, a beldade ruiva representou, cantou e dançou em todos os principais géneros do cinema americano dos anos 40 e 50: film noir, western, musical, filme de aventuras, comédia. E teve seis maridos.

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Rhonda Fleming em meados dos anos 1950 Archive Photos/Getty Images

Chamaram-lhe “rainha do Technicolor” e foi, de facto, o cinema a cores que a tornou uma estrela. “De repente os meus olhos verdes eram verdes, o meu cabelo ruivo flamejava, a minha pele era de porcelana branca”, recordava em 1990 Rhonda Fleming, que morreu na quarta-feira, aos 97 anos, em Santa Monica, na Califórnia. Um sucesso de cujo pesado preço depressa se apercebeu: “Subitamente só interessava o meu aspecto e não os papéis que interpretava.”

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Chamaram-lhe “rainha do Technicolor” e foi, de facto, o cinema a cores que a tornou uma estrela. “De repente os meus olhos verdes eram verdes, o meu cabelo ruivo flamejava, a minha pele era de porcelana branca”, recordava em 1990 Rhonda Fleming, que morreu na quarta-feira, aos 97 anos, em Santa Monica, na Califórnia. Um sucesso de cujo pesado preço depressa se apercebeu: “Subitamente só interessava o meu aspecto e não os papéis que interpretava.”

Fleming, cujo verdadeiro nome era Marilyn Louis, nasceu em 1923 na terra do cinema – Hollywood, na Califórnia –, filha de um agente de seguros e de uma actriz de teatro e modelo de origem sueca que entrou em alguns musicais de sucesso nas primeiras décadas do século XX. Descoberta aos 17 anos por um famoso agente da época, Henry Wilson, antes de fazer 20 anos Marilyn Louis já tinha contrato assinado com o estúdio de David O. Selznick. E já passara a chamar-se Rhonda Fleming 

Descontadas umas primeiras aparições negligenciáveis no grande ecrã, a actriz dificilmente poderia ter desejado um começo mais auspicioso para a sua carreira: em 1945, estreou-se no seu primeiro papel secundário relevante pela sábia mão de Alfred Hitchcock, em A Casa Encantada, onde representou uma doente mental. Ainda que tanto ela como a sua mãe tenham ficado bastante chocadas, contará Fleming mais tarde, quando foram ver ao dicionário o que que significava “ninfomaníaca”.

No ano seguinte conseguiu um papel secundário em Alvorada de Fogo, de Edwin L. Marin, o primeiro dos seus vários westerns. Em 1950, Lewis R. Foster, que veio a ser o seu mais recorrente realizador, já lhe deu o papel feminino principal no filme A Águia e o Falcão, protagonizado por John Wayne. E, ao longo dos anos 50, contracenou com Charlton Heston em Pony Express, com Glenn Ford em The Readhead and the Cowboy, com Stewart Granger em A Arma dum Bravo, e com Burt Lancaster e Kirk Douglas no clássico Duelo de Fogo, dirigido por John Sturges.

Os filmes que mais a popularizaram foram provavelmente duas comédias musicais do final dos anos 40: Na Corte do Rei Artur, de Tay Garnett, com Bing Crosby, e O Grande Tenório (The Great Lover), de Alexander Hall, com Bob Hope. Mas foi no film noir que trabalhou com realizadores mais talentosos. Logo em 1946, Robert Siodmak, que a vira em A Casa Encantada, deu-lhe lugar no elenco da sua adaptação da novela policial A Escada de Caracol, de Ethel Lina White. E, no ano seguinte, Rhonda Fleming trabalhou com Jacques Tourneur num dos grandes filmes negros da história do cinema, O Arrependido. É certo que é Jane Greer o vértice do triângulo fatal que une Robert Mitchum e Kirk Douglas, mas Fleming dá nas vistas como secretária (para todo o serviço) de um contabilista corrupto.

Em 1951 entrou, com Dick Powell, em Cry Danger, de Robert Parrish, e em 1953, em Inferno, de Roy Ward Baker, deixava o marido, um magnata interpretado por Robert Ryan, a morrer no deserto com uma perna partida. Mas como intérprete de variações da personagem-tipo feminina do film noir – bela, espirituosa e perigosa – o ano mais intenso é o de 1956: Budd Boetticher escolheu-a para contracenar com Joseph Cotten em Assassino à Solta, Allan Dwan deu-lhe o papel principal em Slightly Scarlet, e o grande Fritz Lang juntou-a a Dana Andrews e George Sanders em Cidade nas Trevas.

Também interpretou a sua quota-parte de filmes de aventuras mais ou menos olvidáveis, como Hong Kong (1952), de Lewis R. Foster, no qual fez parelha com um futuro presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, com quem já contracenara no western A Revolta dos Apaches (1951) do mesmo realizador, e que voltará a encontrar em mais um filme de Foster, Tropic Zone (1953), e ainda em Tennessee's Partner (1955), de Allan Dwan. Nem sequer lhe faltou uma incursão nos filmes de piratas: The Golden Hawk, de Sidney Salkow, com Sterling Hayden.

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Rhonda Fleming e Leo Gordon em Tennessee's Partner, de 1955 RKO Pictures/Getty Images

Os seus talentos de dançarina foram aproveitados por Frederic de Cordova em Little Egypt (1951), biografia ficcionada de uma bailarina do final do século XIX que usava esse nome profissional. E com A Serpente do Nilo (1953), de William Castle, juntou-se a Elizabeth Taylor, Vivien Leigh, Sophia Loren ou Claudette Colbert no alargado clube de actrizes que interpretaram a figura de Cleópatra.

Quando começaram a faltar oportunidades no cinema, colaborou em séries e programas televisivos e participou como cantora em diversos espectáculos musicais. A sua última longa-metragem foi A Bomba Nua (1980), de Clive Donner, uma não muito memorável tentativa de ressuscitar uma série televisiva dos anos 60, Olho Vivo, cujo protagonista era um agente secreto que usava o sapato como telefone.

Rhonda Fleming casou-se pela primeira vez ainda adolescente, aos 17 anos, com um namorado do liceu. Em 1977, quando se casou com o empresário Ted Mann, este era já o seu quinto marido. Após a morte de Mann, em 2001, casou-se ainda mais uma vez, em 2003, com Darol Wayne Carlson, que morreu em 2017.

Radicada na Califórnia, vinha-se dedicando há muitos anos a diversas iniciativas filantrópicas, apoiando instituições artísticas, mas também, por exemplo, centros de tratamento para crianças abusadas ou clínicas para mulheres com cancro.

Olhando para trás, Rhonda Fleming resumiu um dia o seu percurso nesta frase: “A minha história foi um muito raro e maravilhoso conto da Cinderela, que só poderia ter acontecido durante a era dos grandes estúdios.”