Alimentação em revista no ano da pandemia
Todos temos um papel a desempenhar. As nossas ações são o nosso futuro. É este o mote para o Dia Mundial da Alimentação que hoje se comemora.
Vivemos um ano atípico e difícil. Já passaram mais de sete meses desde que a Organização Mundial da Saúde declarou a covid-19 como uma pandemia. Em Portugal, já passámos por estado de emergência, estado de calamidade, estado de contingência e, no meio destes estados, temos estado todos a tentar adaptar-nos a um “novo normal”.
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Vivemos um ano atípico e difícil. Já passaram mais de sete meses desde que a Organização Mundial da Saúde declarou a covid-19 como uma pandemia. Em Portugal, já passámos por estado de emergência, estado de calamidade, estado de contingência e, no meio destes estados, temos estado todos a tentar adaptar-nos a um “novo normal”.
Ao longo dos últimos meses, temos conseguido sublinhar algumas problemáticas no que diz respeito à alimentação e à nutrição. Problemáticas estas que importam salientar.
1. A desinformação: Numa fase inicial, o número de casos subia em Portugal à mesma escala que aumentava a propagação de notícias falaciosas que, sem qualquer evidência científica, prometiam curas milagrosas para a covid-19. A Ordem dos Nutricionistas viu-se, inclusive, obrigada a emitir um alerta para o facto de não existir nenhum alimento específico ou suplemento alimentar que possa prevenir ou curar a doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2.
Não, o alho não é a cura para a covid-19. Não, beber água não evita o contágio. Não, não podemos dar crédito a toda a informação que nos chega através das redes sociais. Mais do que ir atrás de mitos e modas alimentares importa saber encontrar informação de qualidade e procurar aconselhamento especializado. Isto faz-se com uma aposta séria em literacia alimentar envolvendo nutricionistas.
2. A má alimentação: É um facto que já comíamos mal antes desta crise pandémica e a covid-19 parece ter contribuído para uma alteração nos hábitos alimentares de uma parte significativa da população nacional. De acordo com dados de um estudo da Direção-Geral da Saúde (DGS), que pretendeu conhecer os comportamentos alimentares em contexto de contenção social, 45% dos inquiridos afirmaram ter mudado hábitos alimentares durante o período de confinamento, com quase 42% a admitirem ter sido para pior.
Ora, temos os ingredientes para que o resultado seja um claro agravamento do estado nutricional e de saúde dos portugueses, pois sabemos que os hábitos alimentares inadequados são um dos principais fatores de risco para a perda de anos de vida saudável. Contrariar esta penosa realidade não é impossível e, em Portugal, temos ingredientes certos: a “nossa” prodigiosa dieta mediterrânica.
3. A redução do acompanhamento das doenças crónicas: Enquanto que a maior parte de nós se viu confinado à sua casa, com as vidas em suspenso, em teletrabalho ou em layoff, o mundo não parou. Continuamos a ter as mesmas doenças crónicas, com a particularidade de, com a redução da atividade assistencial aos “doentes não-covid”, é elevada a probabilidade de que estas se tenham agravado.
As medidas de isolamento social impostas, apesar de evidentemente necessárias, podem ter sido mais uma causa a agravar a situação para os doentes crónicos que, previsivelmente, diminuíram a atividade física e deterioram os seus hábitos alimentares.
Acresce que estes doentes crónicos são um dos principais grupos de risco para a covid-19.
É inegável a importância da luta nacional contra a covid-19 para mitigar a pandemia. Mas, também é inegável a importância da luta contra as doenças crónicas, pois estes problemas de saúde não ficam em quarentena. Agravam-se, agravaram-se certamente, e precisamos de lhes prestar a nossa máxima atenção.
4. A quebra nos rendimentos familiares: Esta crise sanitária trouxe uma crise económica sem precedentes. Ainda não são calculáveis as quebras, ainda estamos na ponta do iceberg, mas já percebemos que, de acordo com o mesmo estudo da DGS citado, um terço dos portugueses manifestou preocupação com uma eventual dificuldade no acesso a alimentos e 8,3% relatou mesmo ter dificuldades económicas em adquiri-los.
Já há cinco anos, de acordo com o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, 10% das famílias portuguesas experimentaram dificuldade em fornecer alimentos suficientes a todo o agregado familiar, ou seja, tiveram aquilo a que designamos insegurança alimentar e o motivo era claro: falta de recursos financeiros.
5. As desigualdades na alimentação: A influência das desigualdades sociais nas doenças de origem alimentar é clara. Em Portugal, os erros alimentares seguem uma gradação social: quanto mais baixa a posição social, pior o consumo alimentar, potenciando danos no estado de saúde.
Tal indica a necessidade de políticas que, além de promoverem uma alimentação saudável em geral, foquem em particular as populações mais vulneráveis, no sentido de limitar as desigualdades sociais na alimentação.
São dados que nos devem inquietar: o acesso a alimentação adequada é um direito humano. Exige-se, por isso, uma abordagem multissectorial e essencialmente politica, destacando-se a importância de todos os decisores políticos dos diversos setores desencadearem medidas com potencial impacto na melhoria dos hábitos alimentares da população, numa ação interministerial, no qual ministérios como o da Saúde, da Educação, da Economia, da Solidariedade e da Agricultura se unam para garantir que todos os portugueses, todos sem exceção, tenham acesso a uma alimentação justa, equilibrada, saudável e, não nos esqueçamos também, que seja amiga do ambiente.
É preciso fazer mais e melhor para reduzir desigualdades no acesso a uma alimentação adequada.
Mas nem tudo são notícias menos boas e, quando passamos estes meses pandémicos em revista, há um galardão que nos enche de orgulho: o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas foi distinguido, há exatamente uma semana, com o Prémio Nobel da Paz de 2020.
O mundo está de olhos postos no cenário alimentar. A fome, a insegurança alimentar, as desigualdades no acesso a uma alimentação adequada, os excessos alimentares e o agravamento das doenças relacionadas não nos podem deixar indiferentes. No mundo, em Portugal, na nossa cidade ou na nossa rua há sempre alguém mais frágil, há sempre quem precise do nosso apoio. Estejamos atentos, cada um de nós, e os nossos governantes que têm a obrigação de monitorizar, salvaguardar e intervir em situações de vulnerabilidade.
Estejamos atentos, pois todos temos um papel a desempenhar. As nossas ações são o nosso futuro. É este o mote para o Dia Mundial da Alimentação que hoje se comemora.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico