Football Leaks: Bruno de Carvalho diz ter recebido ameaças em nome da Doyen

Ex-presidente do Sporting elogia o pirata informático Rui Pinto e desiste de queixa. “Graças a ele processos [ligados ao mundo do futebol] que estavam há anos sob investigação começaram a avançar e começaram a aparecer acusações”, declarou em tribunal.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

O ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho diz que enquanto dirigiu o clube chegou a receber ameaças em nome do fundo de investimento Doyen, ligado aos passes dos jogadores.

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O ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho diz que enquanto dirigiu o clube chegou a receber ameaças em nome do fundo de investimento Doyen, ligado aos passes dos jogadores.

“Fui ameaçado por pessoas que afirmavam trabalhar para a Doyen e diziam ao telefone o nome das minhas filhas e a matrícula do meu carro”, afirmou esta quinta-feira em tribunal, durante o julgamento do pirata informático Rui Pinto, no âmbito do caso Football Leaks, no qual está a ser ouvido como testemunha. “Havia ameaças constantes de pessoas que diziam vir ‘a mando de'”, repetiu. 

Questionado à saída do tribunal pelos jornalistas sobre se perante isto algum dia apresentou queixa às autoridades, o antigo dirigente desportivo foi esquivo: “Com certeza que o Sporting fez queixa. Mas nunca ninguém ligou nenhuma.” 

Apesar de ter chegado a manifestar a intenção de processar o hacker por este ter tentado alegadamente entrar na sua caixa de correio electrónico, Bruno de Carvalho declarou agora que vai desistir da queixa, tendo elogiado a actuação de Rui Pinto. A queixa em causa, de que desiste a título pessoal, relaciona-se com esta suposta tentativa de violação de correspondência electrónica.

“Tem de se lhe tirar o chapéu. Graças a ele processos [ligados ao mundo do futebol] que estavam há anos sob investigação começaram a avançar, surgiram acusações e foram iniciadas novas investigações”, declarou, considerando que o hacker conseguiu arranjar provas do que ele próprio, Bruno de Carvalho, andava a dizer há anos sobre a falta de transparência dos negócios neste universo. “Fico contente que um miúdo de 30 anos tenha tido esta iniciativa”, observou. Para expressar em seguida um desejo: “A função do Football Leaks foi primordial. Espero que faça com que muitas pessoas e muitas instituições se venham a sentar no banco dos réus e que não considerem estas revelações sem validade, por a informação ter sido obtida desta forma”, através do recurso à prática de crimes informáticos.

O ex-presidente dos leões não arriscou defender que deseja ver Rui Pinto ilibado em tribunal dos delitos de que está acusado, e que incluem também uma tentativa de extorsão de dinheiro à Doyen. “Os juízes vão ter de fazer uma avaliação muito difícil, levando em linha de conta quer os crimes que possa ter cometido quer informação relevante que trouxe” sobre os negócios escuros no mundo da bola, considera Bruno de Carvalho. “Talvez possam chegar a um acordo [com o arguido], mas não é fácil”.

De resto, nem sequer acredita que Rui Pinto tenha tentado aceder à sua caixa de correio electrónica. Por uma razão: quando foi chamado à Polícia Judiciária para prestar declarações, Bruno de Carvalho foi confrontado com um endereço de e-mail que nem sequer era seu. “Rui Pinto entrou no mail de um Bruno que não era eu. A caixa de correio investigada pela Judiciária não era a minha “, garantiu. Quando avisou disso os inspectores, “a PJ trocou o endereço de correio electrónico e deu-me o documento [as suas declarações passadas a escrito] para assinar”. 

As ameaças de que diz ter sido alvo, Bruno de Carvalho atribui-as à guerra que desencadeou contra aquele fundo de investimento praticamente desde o início do seu mandato, em 2013. Bruno Carvalho explicou ter então descoberto que o clube só detinha uma pequena percentagem de cerca de uma centena dos seus jogadores - o resto pertencia aos três fundos de investimento com os quais os seus antecessores tinham celebrado contratos, entre os quais se contava a Doyen. “O Sporting estava manietado. Tinha uma dívida de 500 milhões de euros e só possuía um bocadinho dos seus jogadores”, descreveu. “Para mim, que sou licenciado em Economia e Gestão, não fazia sentido”.

A situação condicionaria o próprio desempenho dos atletas, que nalgumas situações terão obedecido mais aos representantes do fundo de investimento do que ao próprio clube. O antigo dirigente deu como exemplo um jogo em Espanha, em que a Doyen terá convencido o então treinador do clube a não colocar em campo o jogador argentino Marcos Rojo. “O administrador executivo da Doyen Nélio Lucas disse-me que ele não jogava mais. E escreveu-me, em caps lock: ‘Se não conseguir sair do Sporting vai fazer asneira no clube'”. 

Perante aquilo que considerava serem intromissões na gestão do clube, Bruno de Carvalho tentou junto das organizações internacionais que regulam as práticas futebolísticas, a UEFA e a FIFA, desfazer os contratos com este fundo de investimentos, que considerava terem “contornos criminosos”. Na altura sem sucesso, muito embora mais tarde este tipo de negócios tenham sido proibidos por estas organizações. Daí as ameaças, deduz. 

No fundo, a divulgação dos contratos dos jogadores no site Football Leaks, de Rui Pinto, até lhe seria vantajosa, diz ter equacionado na altura: as condições que estabeleciam eram de tal forma escandalosas que serviriam de alerta e serviriam para ajudar a dar-lhe razão junto da UUFA e da FIFA. “Finalmente quem quisesse podia ver o absurdo que eram aqueles contratos e aquilo que significavam a nível de intromissão da Doyen na gestão do clube. Até me dava jeito.” Porém, as contas acabaram por lhe sair furadas: graças aos comentadores televisivos desportivos Pedro Guerra e António Simões, a interpretação pública que foi feita desses documentos não foi aquela que esperava. 

Bruno de Carvalho assegura que os dois comentadores divulgaram os contratos confidenciais dos jogadores nos programas televisivos em que participavam antes mesmo de estes documentos serem revelados no Football Leaks. “Mas estes comentadores foram chamados pelas autoridades a esclarecer como entraram na sua posse?”, quis saber o advogado de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota. O antigo dirigente dos leões respondeu-lhe que não. 

Assumindo-se hoje em dia também ele comentador televisivo de profissão, Bruno de Carvalho compara o recurso a fundos de investimento no futebol ao uso de droga, pela facilidade com que disponibilizavam dinheiro aos clubes para os terem na mão. “Os negócios que movimentam mais dinheiro no mundo são o sexo, a droga, as armas e o futebol. Com o surgimento dos fundos de investimento o futebol levou com o sexo, as armas e a droga.”

E teve ainda tempo para contar um segundo episódio passado, segundo disse, com Nélio Lucas. O administrador da Doyen ter-se-á feito passar por representante do Southampton. E foi nessa qualidade que se reuniu com o seu colega de direcção do Sporting Alexandre Godinho, que não o conhecia. “Esteve três horas a falar com ele em inglês. Quando o vi sair da reunião perguntei ao Alexandre Godinho de que tinha estado a falar com o Nélio Lucas. E ele respondeu-me: ‘Quem acabou de sair não foi o Nélio Lucas. Foi o Peter Laughton, do Southampton’.”