É urgente humanizar a entrada no ensino superior
O que querem as autoridades da educação com este sistema que estão a criar? Ao tentarem criar um ambiente generalizado de facilitismo, desenvolveram um processo injusto e cheio de fragilidades.
Este ano, as colocações no ensino superior revelaram as fragilidades que um sistema ajustado ao pormenor pode ter quando se introduzem factores de suposta facilitação e nivelamento de oportunidades.
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Este ano, as colocações no ensino superior revelaram as fragilidades que um sistema ajustado ao pormenor pode ter quando se introduzem factores de suposta facilitação e nivelamento de oportunidades.
A consciencialização por parte do Ministério da Educação das discrepâncias entre oportunidades de acesso a recursos ditos normais para qualquer aluno e professor de hoje em dia, começou com o confinamento. Tomou consciência que na era digital ainda há alunos e professores que não têm acesso às tecnologias e instalou-se a preocupação com o processo de ensino aprendizagem e com as saídas para o superior.
Foi pior a emenda que o soneto. Além de ser sobejamente conhecido e já divulgado que houve escolas onde as notas internas foram inflacionadas das mais diversas maneiras, sem qualquer critério ou objectividade, apenas com a máxima de ‘não se prejudicam os alunos’; os exames nacionais, difíceis ou fáceis, o que é bastante subjectivo, eram, até este ano, o garante de uma certa justiça pois eram iguais para todos, com os mesmos critérios de correcção e classificação.
Este ano, com a introdução de perguntas obrigatórias e de outras que mesmo estando erradas não eram penalizadas, criou-se uma inflação das médias dos exames, levando uma boa parte de bons alunos desde sempre, a responderem a tudo e a terem as suas penalizações normais, e fazendo com que os alunos medianos pudessem ver as suas médias subirem de forma pouco normal e habitual.
Isto levou a que as notas de entrada nas universidades públicas subissem desmesuradamente, ou seja, as habituais duas décimas de subida foram de mais de um valor. Os alunos com médias de 16, 17 e mais, não entraram na faculdade, quando pelo histórico dos anos anteriores, estariam mais do que colocados.
Pergunto onde vamos chegar com estas medidas popularuchas de melhoria das qualificações dos nossos estudantes. O que querem as autoridades da educação com este sistema que estão a criar? Ao tentarem criar um ambiente generalizado de facilitismo, desenvolveram um processo injusto e cheio de fragilidades. Onde está a inspecção para averiguar a aplicação dos critérios de avaliação nas notas internas, e antes disso para aferir da justiça desses critérios, alterados a meio do ano por causa da covid-19? Onde está a visão de futuro para o ingresso no ensino superior? O que quer o nosso Ministério da Educação com esta estratégia? Mostrar com evidências claras que os nossos alunos são os que mais têm subido as suas notas ao ingressar no superior? Com base em quê?
Quando ouvimos a interpretação das estatísticas sobre este assunto, percebe-se claramente que estamos a tratar de alunos como se fossem peças de uma linha de montagem, onde tantos passam no controle de qualidade e outros tantos não. O mesmo quando ouvimos os responsáveis por algumas faculdades públicas quando dizem ter ‘os melhores dos melhores’. O que é que isto quer dizer: ‘os melhores dos melhores’?!?
Para quando questionar um sistema que discrimina os alunos às décimas e centésimas e não os olha no rosto, com os seus anseios e ambições, com as suas qualidades de comunicação, de presença, de gestão do stress presencial, entre muitos outros factores. Será que temos suficiente maturidade para não nos vir logo à cabeça a pergunta que está na ponta da língua: “E as cunhas?” Onde vamos parar e que jovens vamos ter daqui a uns anos, todos com 20, a acotovelarem-se e a compararem as centésimas? Com que notas entraram os criadores deste sistema?
O facilitismo deste ano faz com que as privadas se encham de muito bons alunos, daqueles que sempre foram bons. Tenhamos a coragem de fazer um verdadeiro serviço público e não propaganda. Diferença de oportunidades sempre as houve, não foi só em ano de covid-19, mas não as podemos potenciar de forma mascarada e temos que ter a coragem para acabar com elas.
Parabéns a todos os que entraram no ensino superior público! Parabéns a todos os bons alunos que não entraram, não percam a consciência do vosso valor! Obrigada universidades privadas, por cumprirem com o serviço de qualificação dos nossos jovens adultos. Desenvolvam o seu potencial!
Aos imprevistos deste ano, resistiram mesmo os bons líderes, com visão de futuro e humanidade. É urgente humanizar este processo.