Movimento Pelo Cinema alerta para risco de directiva favorecer “grandes grupos”

O movimento pede o adiamento da votação da proposta de lei e maior discussão dos seus termos. Em causa está a transposição da directiva europeia que tem por objectivo regulamentar a actividade dos serviços de televisão e audiovisuais a pedido, conhecidos como VOD (”video on demand”).

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LUSA/RAJAT GUPTA

O movimento Pelo Cinema Português alertou esta quarta-feira para o risco de favorecimento dos operadores externos, na proposta de lei que transpõe a directiva europeia para o audiovisual, e pediu novo adiamento da votação do diploma, marcada para esta sexta-feira, dia 16.

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O movimento Pelo Cinema Português alertou esta quarta-feira para o risco de favorecimento dos operadores externos, na proposta de lei que transpõe a directiva europeia para o audiovisual, e pediu novo adiamento da votação do diploma, marcada para esta sexta-feira, dia 16.

Este movimento, que reúne cerca de 900 profissionais em torno de uma carta aberta, dirigida aos órgãos do poder, que pede o adiamento da votação da proposta de lei e maior discussão dos seus termos, foi ouvido esta quarta-feira, na Comissão parlamentar de Cultura e Comunicação, através da realizadora Marta Mateus e dos produtores Paulo Branco e Pedro Fernandes Duarte. Em causa está a transposição da directiva europeia que tem por objectivo regulamentar, entre os Estados-membros, a actividade dos serviços de televisão e dos serviços audiovisuais a pedido, conhecidos como VOD (“video on demand”), como as plataformas Amazon, Disney Plus, HBO e Netflix, com base nos Estados Unidos, que “escapam” à regulamentação em diferentes países europeus.

A não-aplicação de taxas em função do número de subscritores destas plataformas, à semelhança do que acontece com outros operadores no mercado nacional, é uma das críticas destes profissionais à proposta. Consideram incerto o modelo pelo qual o Governo português optou, e que exige a estas plataformas apenas o investimento na produção. “É como um copo cheio de buracos, por onde cai o dinheiro todo”, disse o produtor Pedro Fernandes Duarte sobre o modelo previsto na proposta de lei.

A situação, na perspectiva do movimento, é tanto ou mais grave quanto as receitas próprias do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) resultam, na sua maioria, da aplicação de taxas sobre a exibição de publicidade e a subscrição de serviços de televisão em território nacional. O ICA é a entidade pública para a aplicação da política do sector, com competências de fiscalização, de apoio à produção, exibição, distribuição, internacionalização e à criação de públicos. Para este movimento, há o risco de esvaziamento de receitas do instituto, com a migração de audiências para as novas plataformas.

Este grupo de profissionais defendeu ainda a necessidade de clarificação de conceitos como o de “proveitos relevantes”, assim como o das ferramentas previstas na proposta de lei para a sua fiscalização. Na declaração inicial, lida por Marta Mateus, foi dito que a aprovação da proposta de lei, sem mais debate, vai traduzir-se num “momento histórico perdido”. “Algo está a falhar, quando a proposta não transpõe premissas da directiva”, que prevêem a regulação da actividade das plataformas de streaming.

“A directiva existe para dizer aos Estados-membros: ‘Estas operadoras não estão a pagar e têm de pagar, protegendo o tecido empresarial.’” “E isso não está nesta lei”, reforçou Marta Mateus. “De que forma esta lei garante o aumento e a continuação do financiamento público do ICA?”, perguntou Marta Mateus, dirigindo-se aos deputados que deverão votar o diploma na sexta-feira. “Consideram que as obrigações fiscais, por taxas ou investimento, são razoáveis e suficientes para manter e promover o financiamento do cinema?”, insistiu.

Para o movimento Pelo Cinema, o modelo irá jogar “a favor dos grandes grupos económicos e permitir que seja o Estado a financiar projectos destas operadoras”. “Que política pública está aqui a ser defendida?”, perguntou Marta Mateus, para afirmar que se trata de um “incentivo fiscal aos grandes grupos”, acabando assim o Estado português a patrocinar os investimentos das plataformas, na sua própria produção, isenta de taxas, ao contrário do que acontece com os agentes nacionais do sector.

“A lei como está não traz um cêntimo, há uma perda substancial do investimento”, disse o produtor Paulo Branco. “Dou o exemplo da Netflix, que não tem um tostão de investimento em Portugal. Não tem um empregado, não paga um tostão de impostos. Sai o dinheiro dos subscritores, não entra nada”, afirmou. Para Pedro Fernandes Duarte, “a proposta que PS e PSD querem aprovar é legislar a perda de receita do ICA, quando a directiva europeia visa aumentar as receitas dos players nacionais. (...) Esta lei é antinacional, legisla a fuga de capitais.”

Na directiva europeia lê-se que “o mercado dos serviços de comunicação social audiovisual tem evoluído de forma rápida e significativa devido à convergência actual entre a televisão e os serviços de Internet”, pelo que é preciso que a legislação acompanhe essa evolução e promova “um equilíbrio entre o acesso aos serviços de conteúdos em linha, a protecção dos consumidores e a competitividade”.

No fecho da sessão, a presidente da Comissão de Cultura, Ana Paula Vitorino, disse estar “sempre aberta para abrir um processo legislativo de alteração da lei do cinema”, feita a votação da proposta e das alterações que vierem a ser apresentadas pelos grupos parlamentares.

O movimento Pelo Cinema Português, que no fim-de-semana lançou a carta aberta “Governo português anuncia a morte do cinema português”, foi a quarta e última entidade a ser ouvida esta quarta-feira na Comissão de Cultura sobre a proposta de transposição de directiva. De manhã, foram ouvidos representantes dos subscritores da carta aberta “Ganhar uma oportunidade histórica para o cinema e audiovisual português”, favorável à proposta de lei apresentada pelo Governo, e da Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual, que defendeu a necessidade de maior debate. A Plataforma do Cinema, que reúne mais de uma dezena de associações, distribuidores, festivais e sindicatos, defendeu uma posição similar à do movimento Pelo Cinema.