Polícia chilena acusada de violações de direitos humanos durante manifestações

Chefias da Polícia Nacional devem ser investigadas pela inacção perante o uso excessivo de força para conter os protestos do final do ano passado, diz a Amnistia Internacional.

Foto
Polícia chilena é acusada de reprimir violentamente as manifestações do ano passado Reuters/PABLO SANHUEZA

A polícia chilena cometeu “graves violações de direitos humanos” durante a repressão das manifestações antigovernamentais que começaram em Outubro do passado e só pararam em Março, devido à pandemia de covid-19, diz a Amnistia Internacional, que pede a abertura de uma investigação formal à cúpula da Polícia Nacional.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A polícia chilena cometeu “graves violações de direitos humanos” durante a repressão das manifestações antigovernamentais que começaram em Outubro do passado e só pararam em Março, devido à pandemia de covid-19, diz a Amnistia Internacional, que pede a abertura de uma investigação formal à cúpula da Polícia Nacional.

Para conter os protestos populares, a polícia chilena usou força excessiva, recorrendo, por exemplo, a tiros de espingarda e a gás lacrimogéneo atirado por lançadores, que causaram ferimentos graves a centenas de manifestantes, incluindo nos olhos - até 30 de Novembro de 2019, havia 347 casos de ferimentos nos olhos. Em Março, diz a Amnistia, eram 460.

“Os agentes da Polícia Nacional reprimiram os protestos com disparos de munições altamente nocivas e de forma dispersa, contrariando os padrões internacionais sobre o uso de força”, afirmou a directora para as Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, que diz terem sido contabilizados 104 mil disparos de munições antimotim, tanto de balas de borracha como de metal, só no mês de Outubro.

A organização não-governamental marca o primeiro aniversário dos protestos no Chile com a publicação do relatório Todos os olhos no Chile: Violência policial e responsabilidade de comando durante os protestos sociais em que analisa as violações cometidas sobre 12 pessoas, para além de 200 horas de gravações de vídeos, registos judiciais, processos e entrevistas com vítimas, activistas e autoridades públicas.

Os protestos no Chile começaram como uma expressão de oposição à subida do preço dos bilhetes de metro na capital, Santiago, mas depressa assumiram um tom mais abrangente. A elevada desigualdade social passou a ser a causa que manteve os manifestantes nas ruas até Março, quando a onda de contestação foi cortada pela pandemia da covid-19. Em resposta, o Governo chegou a acordo com os restantes partidos políticos para organizar um referendo para viabilizar uma nova Constituição – a actual é herdada da ditadura de Augusto Pinochet.

Não é a primeira vez que existem acusações de violência excessiva praticada pela polícia para reprimir os protestos. Um relatório da ONU do final do ano passado concluiu que a polícia cometeu “múltiplas violações dos direitos humanos” e não fez “qualquer distinção entre manifestantes pacíficos e violentos”.

Os autores do relatório acusam a direcção da polícia de nada ter feito para prevenir os abusos cometidos durante as manifestações e acreditam que, pelo menos, o director e o subdirector-geral, bem como o director para a Ordem Pública e Segurança, “teriam conhecimento das violações de direitos humanos”.

“Os comandantes estratégicos da Polícia Nacional permitiram que fossem cometidos actos de tortura e maus-tratos contra os manifestantes por considerá-los um mal necessário para dispersar as multidões a todo custo”, afirma Guevara-Rosas. Mais do que abusos esporádicos, os investigadores da Amnistia acreditam que a actuação da polícia fez parte de um esforço concertado com o objectivo de “desencorajar o protesto social”.

A Amnistia também denuncia uma enorme impunidade das forças de segurança. De quatro mil queixas apresentadas junto do Ministério Público, apenas 170 sanções foram anunciadas e só em 16 casos é que houve lugar a destituição do agente responsável.

A ONG sustenta que os abusos cometidos pela polícia e a cultura de impunidade entre os agentes não são factos isolados atribuídos à onda de contestação do final do ano passado, mas representam “um padrão constante e histórico” da instituição. Por isso, a Amnistia nota a “necessidade de uma profunda reforma da Polícia Nacional do Chile, incluindo mecanismos eficazes e independentes de controlo e responsabilização”.