Já há desenhos livres na cidade
Mudam-se as datas, não se mudam as vontades. Passou de Junho para Outubro e continua a ser um encontro de talentos e de liberdade. Durante dois meses, a cidade volta a mostrar desenhos com coragem, atitude e opinião.
Começou no princípio deste mês a 6.ª edição da Festa da Ilustração de Setúbal. Com início mais tardio e duração prolongada (Outubro em vez de Junho, dois meses em vez de um), ampliou o serviço educativo e os espectáculos musicais, utilizou novos espaços e promoveu a Feira da Festa (gráfica e de ilustração editada). É preciso fazer um desenho?
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Começou no princípio deste mês a 6.ª edição da Festa da Ilustração de Setúbal. Com início mais tardio e duração prolongada (Outubro em vez de Junho, dois meses em vez de um), ampliou o serviço educativo e os espectáculos musicais, utilizou novos espaços e promoveu a Feira da Festa (gráfica e de ilustração editada). É preciso fazer um desenho?
André da Loba é o convidado contemporâneo e ocupa a Galeria da Casa da Cultura, “numa exposição que foi feita como se estivesse a mostrar a sua própria vida”, segundo as palavras de José Teófilo Duarte, director de projecto da festa. “Há objectos de toda a espécie e feitio”, diz o curador da mostra, “uns acarinhados, outros recusados, em que a existência de cada um levou à de outros”. Como disse o ilustrador na inauguração de Chios, Rangidos e Frufrus, invocando Bruno Munari, “das coisas nascem coisas”. Por isso, revelou esperar que sejam “catalisadoras para outras pessoas”.
Natural de Aveiro, André da Loba vive no Porto, mas desenha para o mundo. Colabora com as publicações The New York Times, The Washington Post, Time Magazine, The New Yorker e com as editoras Letras Libres, Orfeu Negro, Kalandraka e Porto Editora, entre outras. Segundo Teófilo Duarte, o seu trabalho “parte da observação do ser humano, primeiro, e dos objectos, depois”. E lembra: “O ser humano não vive sem objectos.” Elege um desses objectos, lugar de muitas ilustrações do principal convidado desta edição: “O livro. Algo que anima a vida.”
Simanca: um soldado da ilustração
No mesmo edifício (junto à Praça do Bocage), no Espaço Ilustração, Osmani Simanca expõe a sua valentia em vários cartoons: Satiricovid e Outros Desenhos de Humor. Cubano, viveu no Brasil durante 23 anos e agora habita em Lisboa. Adora. “Assim que cheguei, senti-me em casa”, disse ao PÚBLICO. Sobre a Festa da Ilustração – É Preciso Fazer Um Desenho? e sobre Setúbal, afirma-se feliz por “ver uma cidade a dar tanta importância à cultura”. E recorda: “Eu vim do Brasil, onde a cultura, a educação, a ciência e o meio ambiente estão a ser destruídos. Chegando aqui, dá-me um alento extraordinário.”
Por acção do regime liderado por Jair Bolsonaro, o cartoonista “foi despedido de vários meios de comunicação social, inclusive daqueles em que nem sequer fazia ilustração política”, conta Teófilo Duarte. Por isso, deu ao texto sobre a exposição de Simanca o título “A hora dos bandidos” (Jornal da Festa), “porque estamos a viver tempos em que os bandidos nos estão a governar”. Diz ainda: “Osmani está na linha da frente deste combate e merece todo o nosso respeito, consideração e solidariedade. É um soldado no domínio da ilustração.”
Desejos de Osmani Simanca: “Temos de continuar lutando contra todos esses elementos ‘fascistóides’ que estão a aparecer, seja na cultura ou na educação. Daí a importância do jornalismo, do desenho e da cultura em geral.” Quisemos saber se se imaginava a ter outra profissão. “Não. Comecei cedo. Tinha 14 anos (vou fazer 60) quando publiquei o meu primeiro desenho num jornal, em 1975. Sempre fiz jornalismo e desenho, cartoons políticos, um jornalismo gráfico. Penso graficamente. Ao desenhar, vêm-me as ideias, as imagens.” E não está cansado. “Há sempre uma preocupação, algo para denunciar. Ao passar esse problema para o desenho, sente-se logo um alívio e as pessoas identificam-se com a mensagem que se transmite. O desenho não oferece soluções, mostra problemas. São as pessoas que têm de fazer as mudanças de que necessitam.”
Simanca elogia os espaços onde as exposições têm lugar, “maravilhosos”, e destaca A Gráfica – Centro de Criação Artística, onde se pode visitar A Prata da Casa, a Ilustração Portuguesa, a Feira da Festa e assistir a concertos. No dia da inauguração, 3 de Outubro, foi possível experimentar impressões em serigrafia na Bicicleta Manifesta, do Atelier Ser, Spontaneous Art Movement.
“É possível continuar com as nossas vidas”
Segundo a presidente da Câmara de Setúbal, Maria das Dores Meira, “com esta festa, demonstramos que é possível continuar com as nossas vidas, em segurança, em respeito pelas regras sanitárias e de distanciamento social”.
No discurso de abertura, disse ainda que não só é possível realizar eventos, como “é nosso dever insistir na sua realização, dever que mantém a nossa vontade de resistir ao medo, de fazer com que o sector cultural se reanime e que todos os que dele dependem possam trabalhar”.
Ao PÚBLICO, Maria das Dores Meira disse – no final da inauguração da exposição Os Bonecos de Tom, na Galeria Municipal do 11 – que “a festa acrescenta muito a Setúbal”. Afirmou ainda: “A ilustração é cultura, aqui conhecemos ilustradores que de outra forma não saberíamos que existiam. Foi a parceria com Teófilo Duarte, que em boa hora promoveu esta festa e trouxe ao nosso conhecimento e ao nosso convívio pessoas fantásticas que nos mostram este lado da cultura, da forma de fazer arte, seja política, estética ou através do design. Aprendi muito nestes anos.”
A mostra dos trabalhos de Thomaz de Mello, o ilustrador clássico homenageado nesta edição, tem curadoria de Jorge Silva e pode ser visitada até 28 de Novembro. O brasileiro Tom nasceu em 1906 e morreu em 1990, “uma figura marcante das artes gráficas portuguesas”, segundo o curador.
A presidente prossegue, entusiasmada, a conversa com o PÚBLICO: “Não tinha ideia de que havia tantos ilustradores portugueses com um nível superior, de excelência, e outros que se juntaram, vindos de outros países, do Brasil, da Argentina, de Espanha, que tivemos o prazer de ter aqui em Setúbal. Fico arrepiada com a qualidade daquilo que tem vindo ao nosso conhecimento.”
Lembra que são “dez pontos de exposições”, algumas inauguradas no fim-de-semana de 10/11 de Outubro, como Futurando, que mostra trabalhos de alunos das Escolas Superiores de Artes na Casa do Largo – Pousada da Juventude, e Torpor, desenhos do confinamento, na Livraria Culsete.
Realce ainda para a parceria com a Casa da Avenida, na exposição com o título Ir e Vir e Voltar (com Livros), integrada no Programa Municipal de Educação pela Arte e Ciências Experimentais, no âmbito do PORLisboa, PT 2020 medida 10.1. Ateliers e espectáculos para a infância completam a programação deste serviço educativo, a cargo de Maria João Frade.
“Não nos interessam ramos de flores”
Conclui a presidente da câmara: “De ano para ano, a festa tem aumentado muito a qualidade. Isto é também pôr Setúbal no mapa através deste tipo de actividades, da cultura, da arte. Não podemos viver sem elas. Temos informação de que os pontos já inaugurados [a 3 de Outubro] estão a ser muito visitados, muito procurados. É extremamente importante para a formação de públicos, para a formação individual de cada um de nós. Começamos a aprender e a olhar para o mundo de outra forma. Darmos este contributo é fundamental, é essencial. Estou muito feliz.”
Para José Teófilo Duarte, designer e também editor da DDLX, há que continuar “o esforço de se mostrar ilustradores nacionais e estrangeiros (de dimensão internacional) com o melhor do que se faz”. Por isso diz ser esta “uma festa em que se mostra ilustração com atitude, com coragem, com opinião. Essa é a ilustração que nos interessa. Não nos interessam ramos de flores, a não ser que esses ramos de flores queiram dizer alguma coisa e não sejam só ornamento”.
Outras exposições que podem ser vistas na cidade: Cantigas do Maio – 50 Anos, no Museu do Trabalho Michel Giacometti: instalação evocativa dos 50 anos do álbum de José Afonso Cantigas do Maio, com capa da autoria de José Santa-Bárbara; João de Azevedo, o Sexo dos Anjos, na Casa da Avenida – Galeria R/C, uma mostra de homenagem ao artista plástico, que morreu este ano; Ilustradores Ilustrados, na Galeria Lapso, com fotografias de João Francisco Vilhena a ilustradores, captadas agora e há 20 anos; Ver ao Perto e Desenhos em Festa, na Casa Bocage e na Biblioteca de Azeitão, dão a conhecer os artistas da região.
Os concertos na Gráfica estão marcados para 17 de Outubro, Et toi Michel, e 24, Pedro e os Lobos, ambos às 18h.