Propostas de alteração ao Código de Contratos Públicos: avaliação mais rigorosa e respeito pelas diretivas?
As alterações propostas pelo Governo desrespeitam não só o bom senso mas até as diretivas comunitárias.
1. Avaliação menos rigorosa dos contratos que tenham financiamento comunitário?
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1. Avaliação menos rigorosa dos contratos que tenham financiamento comunitário?
A Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.º, aprovada em Conselho de Ministros e em discussão na AR, tem vindo a suscitar amplo consenso de oposição por parte dos mais variados setores da sociedade, já que irá aumentar os riscos de clientelismo e corrupção, mas convém também analisá-la relativamente ao nível e modo de tratar as exigências de mérito para os contratos a adjudicar.
Ora, o DL 111-B/2017 tinha aumentado as exigências de fundamentação da decisão de contratar, referindo no seu Artigo 36.º tais exigências e referindo-se no seu número 3 que se o valor do contrato for igual ou superior a cinco milhões de euros (ou de 2,5 milhões, se se tratar de parceria para a inovação) será necessário elaborar estudo de custo-benefício, a fim de melhor avaliar o saldo dos impactos resultantes da execução do contrato.
A proposta em apreciação corrige este artigo, acrescentando o novo n.º 4 em que se dispensa tal estudo, se o procedimento de formação de contratos tiver como objeto “a execução de projetos cofinanciados por fundos europeus, promoção de habitação pública ou de custos controlados, a conservação, manutenção e reabilitação de imóveis, infraestruturas e equipamentos ou aquisição de bens ou serviços essenciais de uso corrente”. Ou seja, mesmo para valores iguais ou acima de cinco milhões de euros deixa de ser necessária tal fundamentação. E convém observar que esta disposição não tem limite temporal.
Como explicar às instâncias comunitárias que se o contrato for apenas financiado pelo Orçamento nacional importa exigir tal avaliação, mas se houver apoios comunitários já não faz falta?
Não será este um dos melhores argumentos que se poderá oferecer às correntes políticas europeias chamadas “frugais”?
Será útil reduzir as exigências de fundamentação, quando se pretende relançar o nosso desenvolvimento e melhor usar os meios disponíveis?
2. Não adjudicar a proposta mais bem avaliada?
Uma das propostas mais originais que consta do projeto em apreciação respeita ao novo n.º 6 do Artigo 70.º, em que se estabelece que, se não houver propostas não rejeitadas e que respeitem o preço máximo estabelecido (preço-base), passa a ser possível adjudicar àquela que, só tendo sido rejeitada por exceder tal limite, não o ultrapasse em mais de 20% e seja aquela que mais se aproxime do preço-base. Note-se, mais uma vez, que esta disposição não tem limite de validade temporal e que é aplicada a todos os procedimentos de formação dos contratos, mesmo com valor acima dos limites comunitários, designadamente, os concursos limitados por prévia qualificação nos quais, após a fase de qualificação, passa a ser pública e fixada a lista de candidatos que podem apresentar propostas.
Assim sendo, esta disposição não incentivará ao conluio desses concorrentes, de modo a serem eles a escolher quem irá beneficiar da adjudicação? É bem evidente que sim!
Mas esta proposta tem outro efeito que desrespeita o mais elementar bom senso: se o critério de adjudicação for o da “proposta economicamente mais vantajosa”, ou seja, se o critério tiver em conta não só preço mas também outros atributos como o prazo, a qualidade, a eficiência energética, etc., passa a ser possível adjudicar uma proposta mais mal classificada do que outra, mas porque dista alguns euros menos do preço-base! Consegue-se assim desrespeitar mesmo o Artigo 67.º da Diretiva 2014/24/UE que rege a aplicação do critério da proposta economicamente mais vantajosa e que, como é óbvio, estabelece o dever de adjudicação à mais bem classificada!
3. Conclusão
As alterações propostas aos artigos 36.º e 70.º – sem limite temporal ou de valor de contrato – contribuem para reduzir as exigências de avaliação quando o contrato for financiado por fundos comunitários, aumentam o risco de conluio entre concorrentes e permitem que se adjudique uma proposta que não seja a mais bem classificada, desrespeitando-se assim não só o bom senso mas até as diretivas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico