A “nova escola” tem um álibi?

Se há algo que o digital, hoje, nos oferece e nos permite, são diferentes modelos de avaliação, que são mais eficientes, mais detalhados e mais justos.

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LUSA/JOSÉ COELHO

Passaram cerca de três semanas desde o regresso às aulas e entramos num novo mês em que persistem as imensas dúvidas relativas ao que significa, hoje, “regressar às aulas”. Na verdade, temos os diretores, os professores, os alunos e os encarregados de educação em grande ansiedade, tentando no meio de um enorme nevoeiro e de incertezas, perspetivar algum tipo de “escola” para este ano letivo.

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Passaram cerca de três semanas desde o regresso às aulas e entramos num novo mês em que persistem as imensas dúvidas relativas ao que significa, hoje, “regressar às aulas”. Na verdade, temos os diretores, os professores, os alunos e os encarregados de educação em grande ansiedade, tentando no meio de um enorme nevoeiro e de incertezas, perspetivar algum tipo de “escola” para este ano letivo.

Mas o que importa perceber é o que pode e deve ser feito, que caminho tomar, que caminho procurar e, deste modo, oferecer a melhor escola possível. Mas será mesmo assim? Será que a escola que temos tido, neste início de ano letivo, é a melhor que poderia ser oferecida, nas atuais condições?

Se por um lado, na fase de confinamento coletivo, tivemos milhares de professores, alunos e famílias a tentar levar a cabo um modelo de “escola”, a que se chamou de ensino de emergência, ensino online, ou outros tantos nomes, mas que na verdade, o que todos procuraram, foi da melhor forma e conhecimento possível, fazer “escola”, mesmo que às escuras, mas, genericamente, elogiada pela comunidade educativa e social. Estes elogios fundamentaram-se pelo esforço dos professores reinventarem uma “escola”, mas também porque foi possível acontecer em muitos locais, uma “escola”, mesmo que sem experiências anteriores como garantia. Por outro lado, reiniciamos o ano letivo com uma ideia generalizada, não pelos professores, mas pela sociedade, que tudo o que aconteceu durante o 3.º período do ano letivo passado, que todo o esforço dos professores, dos alunos e das famílias foi algo menor.

Em facto, a situação foi muito má, mas houve muitas e boas experiências, e essas devem ser tidas em linha de conta. Aumentou-se o número de dias do ano letivo, (na premissa que mais dias letivos, melhor ensino, mesmo que se faça mais do mesmo), para recuperar aprendizagens, numa clara ideia que o 3.º período foi um tempo menor, em que não terão acontecido aprendizagens. Mas essa ideia ainda se torna mais evidente quando se entende que a avaliação de um processo registado pelo trabalho efetuado no 3.º período, muito desse trabalho com milhares de horas síncronas e assíncronas em muitos casos, deveria ter uma avaliação menor quando comparado com os períodos anteriores.

Na verdade, nem todos os contextos poderiam fazer qualquer tipo de avaliação, mas outros deveriam ter usado as mesmas percentagens de valor para os três períodos letivos, ou estariam a desacreditar o seu próprio trabalho realizado online, embora na maioria dos casos não terá sido o que aconteceu. Assim, persiste a relegação, para um plano secundário, para uma importância inferior, de todos os desafios e do imenso esforço, trabalho e dedicação dos professores para levar a “tal escola” aos alunos.

Ou seja, muitas são as direções de escolas que permanecem numa diabolização do digital e do que é possível fazer online, seja síncrono ou assíncrono, presencial ou não, quando na realidade, teremos que olhar para um ensino em que o digital é naturalmente integrado.

Se há algo que o digital, hoje, nos oferece e nos permite, são diferentes modelos de avaliação, que são mais eficientes, mais detalhados e mais justos, mas precisamos saber como os poder construir e aplicar, porque na nossa mente permanecem modelos de avaliação presencial que não se podem replicar no digital, aliás, como todo um processo pedagógico.

Algumas destas premissas permanecem a ilustrar uma escola que continua a não estar preparada para uma transformação pedagógica com o digital, uma vez que se olha para o digital como ferramentas que correm em paralelo e não integradas nos currículos. Permanece a ideia que a tecnologia apenas serve como instrumento behaviorista de motivação para os alunos, mas sem se compreender o verdadeiro potencial pedagógico para as aprendizagens.

Não deixa de ser curioso, que muitos cidadãos que lidam com Educação (e não só), fazem pesquisas e compras online, usam GPS e smartphone, ouvem podcasts e vêem vídeos no YouTube, lêem livros e jornais na web, mas na escola, todos estes serviços e potencialidades não são utilizados e se mantém recursos analógicos que apenas são usados nas escolas e não na vida real. Como exemplos, temos vários, desde usar um mapa em papel na escola, mesmo que fora desta apenas se use o Google Earth e depois não saiba como interpretá-lo; ou não poder usar uma calculadora na escola, sabendo que essa utilização acontece fora dela; solicitar a escrita de um texto que demora em acontecer, sabendo que numa rede social um aluno escreve centenas de caracteres por ter um motivo para o fazer… E isso é válido para quem operacionaliza a Educação na primeira pessoa, nomeadamente, professores. Mas também para quem a interpreta num segundo papel, ou seja, os pais.

Este papel é fundamental porque se os pais que foram alunos num determinado tempo, de uma “escola” que evolui muito lentamente, não perceberem e apoiarem os professores que inovam e, por exemplo, ilustram conceitos com modelos 3D, que provocam a pesquisa em bibliotecas online, que promovem a produção de vídeos ilustrativos de conceitos, etc.… Se estes pais não compreenderem estes professores que fazem diferenças e somam práticas transformadoras, e que já o fazem tão bem, levam os professores a recear esse papel transformador.

Se há algo que esta pandemia nos trouxe, foi a oportunidade para pensar o tempo e o espaço, para podermos preparar uma escola atualizada à sociedade em que vivemos, mesmo sabendo que não será de um dia para o outro, este é o momento. Esta pandemia deu-nos azo para pensar e planificar pedagogicamente o currículo, uma prática letiva coerente, interdisciplinar e com o foco no essencial, retirando tudo o que é acessório e permanece a ser trabalhado.

Temos a conjuntura de refletir e desenhar em comunidade, em colaboração, com as diferentes perspetivas dos atores educativos, a tal “escola”. Esta escola que possa (i) usar modelos híbridos de aprendizagem, com alunos que possam estar em diferentes espaços na escola ou em casa, reduzindo o tempo presencial na escola; (ii) reduzir o número de alunos por turma, pois sabemos que envolve custos, mas a educação de um país não é uma despesa, é um investimento; (iii) utilizar outros espaços e infraestruturas nos municípios, porque existem e estão vazios; (iv) investir num plano tecnológico real, efetivo, que possa garantir acessos equitativos aos alunos, de modo a poderem ter aulas a distância em processos de mentoria; (v) reduzir os programas, centrar os currículos no essencial e redefinir em projetos interdisciplinares que trabalhem para as aprendizagens essenciais numa perspetiva de utilização quotidiana e não no abstrato,… Entre outras medidas que escolas e professores pensam diariamente!

A perspetiva era que as escolas pudessem ter aproveitado esta situação para analisar o que correu de melhor ou pior no 3.º período; que pudessem, acima de tudo, ouvir professores, alunos e pais, que permanecem sem ser ouvidos nas decisões que cada escola toma. Aconteciam antes e durante a pandemia, assim como continuam a acontecer agora, práticas pedagógicas absolutamente fenomenais, ligadas ao mundo, problematizando os assuntos, criando as condições para que os alunos construam o seu próprio conhecimento e que controlem o que aprendem, levando a alunos mais autónomos, perspicazes, alimentando o seu maior pensamento crítico.

Ora, são estes profissionais, que articulam estes modelos pedagógicos, com a utilização de diferentes espaços físicos e virtuais, num ambiente harmonioso de utilização de tecnologia, que surge naturalmente nas suas aulas, que deveriam ser chamados e ser ouvidos nas suas escolas, e, estes existem em todos os agrupamentos de escolas deste país, mas que normalmente são excluídos das decisões e sufocados pela grande maioria do corpo docente, por pensarem fora da caixa.

Este era o momento, para que nestes primeiros meses de escola, os agrupamentos de escolas pudessem aplicar modelos híbridos de aprendizagem e aproveitar algum deste tempo presencial com alunos para providenciar um maior número de experiências nestes ambientes e nestes modelos. Assim, este era o tempo e espaço de criar momentos interativos com o digital, criar cenários virtuais na presença de todos, de modo a que, num qualquer instante de isolamento ou confinamento, não acontecessem tantos erros como no passado, e a autonomia das práticas pedagógicas de professores com alunos fosse consonante com a utilização da tecnologia.

Por outro lado, o que fomos e vamos vendo nas escolas é uma aposta maior, não sendo reprovável, obriga-nos apenas a questionar se o planeamento deve ser nas diversas setinhas para a esquerda, setinhas para a direita, marcas verdes, vermelhas e amarelas, semáforos de circulação, circulação alternada, espaços proibidos, espaços delimitados, uns quantos acrílicos bonitos, fios condutores de alunos numa mistura de arco-íris de percursos, quase como se um novo código da estrada se tratasse, mas aplicado a alunos, muitos ainda sem carta, sem noção de lateralidade, numa imposição ditatorial.

Houvesse tanto e tão pensado planeamento pedagógico como o que vai havendo na senda da proteção civil escolar e teríamos já dado passos pedagógicos extraordinários. Mas, do ponto de vista da pedagogia, do espaço e da utilização do digital, também temos um planeamento, ou será que recuperaram o planeamento de uma aula de há 30 anos? Desde logo, as disposições dos layouts das salas de aula, num retrocesso de quase 30 anos para uns, uma normalidade para outros, onde não pode haver contacto e proximidade, numa disposição do chamado “tipo de autocarro”, exceto se for fora da escola no aglomerado com os pais ou nos transportes públicos. Um espaço castrador do som de aula, onde o silêncio permanece (ainda que sem palmatória), de modo a ser mantido um comportamento de maior isolamento.

A acrescentar a estas práticas, reduzem-se os intervalos, de modo a manter os alunos sentados nas suas posições o maior tempo possível, onde o brincar tem cada vez menos lugar, e a acontecer, que seja apenas dentro de “bolhas de sabão”.

Assim, ficam algumas questões para refletirmos: Por que não usar espaços virtuais de colaboração? Por que não usar espaços exteriores de aprendizagem? Por que ainda se diaboliza o digital? Se os alunos gostam mais dos intervalos do que das aulas, os tempos de cada situação não estão desfasados? Deverão as aulas ter o tempo letivo que ocupam neste momento? Ou será que não podemos aprender com o brincar?

Na verdade, sente-se nesta escola um ligeiro sentimento de prisão, com regras tão rígidas, vontade de sair ao invés de entrar, as visitas à espera junto às grades, e tantas são as proibições… As proibições que vão sendo feitas por várias escolas do nosso país para uma não-utilização do digital, de uma não-utilização de outros espaços físicos das escolas e de não-utilização de modelos ativos de aprendizagem.

A pandemia existe, mas existem outras formas de a conter, mantendo a sanidade mental de todos os que “habitam” na escola. Esperamos que esta “escola” não seja um sinal de retrocesso pedagógico sob o álibi da pandemia, que não seja este um sintoma de regimes pouco democráticos das escolas, mas agora escondidos sob a égide da covid-19.