O Instagram faz dez anos — e estas contas portuguesas também
Três webdesigners (incluindo Dinis Correia, do PÚBLICO) relembram as primeiras fotografias publicadas há dez anos numa nova rede social, desde um prato de arroz de cabidela a um caixote do lixo em Lisboa. Foram dos primeiros utilizadores a criar conta em Portugal, a 6 de Outubro de 2010. “Se calhar sinto falta do entusiasmo. Agora imaginas mais as repercussões e consequências em vez das possibilidades.”
Há dez anos, o Instagram era lançado e o arroz de cabidela apresentado numa nova rede social. @paulozoom, um dos primeiros utilizadores a criar conta em Portugal, escolheu como primeira fotografia um prato tradicional português, fotografado sem grande aparato. “Isto é feito com sangue de galinha”, escreveu Paulo, em inglês, nos comentários. “Eeeeeeew!”, respondeu um outro designer, que anos mais tarde trabalhou no Instagram. “Foi fixe ter tido a experiência ainda quando era uma coisa pequena de pessoas a experimentar”, diz, ao telefone com o P3 a partir de Berlim. “Não sou saudosista, não queria que voltasse nada em particular. Se calhar sinto falta do entusiasmo. Agora imaginas mais as repercussões e consequências do que as possibilidades.”
Ao recordar os primeiros comentários e gostos na aplicação, o webdesigner português acha que terá ouvido falar da aplicação no Twitter ou numa conferência de design internacional. “Na altura, não havia a fadiga de aplicações e redes sociais que há agora. Estava toda a gente mais entusiasmada por experimentar. Havia um entusiasmo pelo potencial de tudo isto. Toda a gente tinha uma câmara no bolso, toda a gente estava mais optimista. Não se levavam muito a sério. Pensei, porque não?”
A última fotografia na conta @paulozoom é de Dezembro de 2018. “Continuo a abrir a aplicação a cada dois dias, quando estou aborrecido ao final do dia e vou ver umas fotos. Não me importo de ver o que os outros publicam. Mas as fotografias que tiro no dia-a-dia agora são para mandar a alguém no momento, em grupos individuais, por mensagem.” “Continuo a gostar de arroz de cabidela e de café”, diz, fazendo menção às primeiras fotografias no perfil. “Da Monocle, nem tanto.”
Há 521 semanas, se quisermos usar a mesma contagem que o Instagram, Filipe Varela publicava uma outra perdição da Internet: gatos. “Não me lembro exactamente de qual foi a minha primeira fotografia”, hesita, em conversa com P3. Confessamos o scroll rápido pelas 1056 publicações do @keoshi e começamos a descrever a imagem onde tudo começou: um gato preto empoleirado na janela a espreitar para a rua, com uma moldura preta à volta do quadrado e um filtro carregado. “Ah! Era no meu quarto na minha terra natal, Évora, e essa é a minha gata Nitcha, que faleceu há pouco tempo, já muito velhinha”, ri-se. “Muito engraçado recordar, por acaso.”
Foi tirada com o primeiro iPhone, dado por um amigo dos Estados Unidos da América. “Sou designer, faço sites e aplicações e trabalho entre outras coisas para uma empresa norte-americana que lida muito com blogues e sites. Sempre tive alguma atenção às coisas novas que estão a acontecer. Hoje menos, porque me farto um bocadinho. O meu trabalho também me tira o prazer de ir para o sofá e ir outra vez para o telemóvel ou para o computador.” A notícia de uma nova plataforma de fotografia chamou a atenção do designer, que geria uma rede portuguesa de fotoblogs. “O Instagram parecia-me a evolução natural. Em qualquer lado se tirava uma fotografia com o telemóvel e instantaneamente publicava-se. Não tinha atrito nenhum no meio.”
Embora “reflicta muito sobre a perda da intenção da fotografia” numa rede social que publica milhões de imagens e vídeos por dia, Filipe ainda continua a publicar fotografias. No perfil de @keoshi, as fotografias quadradas de ruas escuras com filtros alaranjados foram substituídas por galerias de fotografias verticais de passeios em família, nem todas tiradas com o telemóvel. “Na altura era muito mais experimental”, diz, “agora há muitos profissionais, lojas online e influencers e as pessoas preocupam-se muito mais com as coisas que põem”, ressalva. “Entretanto foi comprado pelo Facebook e tenho amigos que deixaram de utilizar a plataforma por isso. Eu utilizo menos, está muito monetizada e é menos genuína e independente do que parecia na altura... mas isso é como qualquer outra coisa.” Faz uma pausa. “Agora estou a soar um bocadinho velho, não estou?”
Dinis Correia, coordenador do design digital do PÚBLICO, fez a primeira publicação dias depois de ter instalado a aplicação. Não foi difícil criar um nome de utilizador: @diniscorreia ainda estava livre. “Lembro-me vagamente de estar a ir para casa à noite, em Lisboa, de ver o caixote do lixo e pensar que era giro para pôr naquela coisa onde era suposto partilhar fotografias”, comenta. Descrição: “Super Mario pipe”. Quatro gostos. “Consigo perceber claramente que passei por várias fases. No início eram coisas mais caricatas que encontrava e fotografava porque achava piada, depois passei por uma fase onde só fotografava comida, outra só de espaços, com poucas pessoas. Quando comecei a seguir as pessoas que conhecia do design e depois amigos meus, tinha o hábito quase religioso de abrir a aplicação e ver as fotografias novas e sabia qual era a última que tinha visto. Como o feed era cronológico dava para fazer isso, estava sempre actualizado com as fotos.”
Dez anos depois, clica no ícone que começou por imitar uma polaroid cada vez menos. “Com as alterações todas, desde a ordem definida pelo algoritmo à publicidade, acabei por usar muito menos para partilhar coisas. Hoje em dia acabo por ver muito mais os stories. Gostava que fosse mais simples outra vez. Gostava da ideia de ver o que as pessoas estavam a fazer naquele momento e isso perdeu-se. Agora, a cada coisa que acrescentam, quase me dá menos vontade de usar a aplicação.”