Nascer nos hospitais privados em plena pandemia
Um plano articulado entre público, privado e social, que coloque todos ao serviço de todos, é a via que a saúde dos portugueses exige.
A decisão de ter um filho é normalmente bastante ponderada e, não raras vezes, com apreensões sobre o futuro. Ter um bebé em tempo de uma doença quase desconhecida mas bastante infeciosa aumenta os receios, muito especialmente sobre as condições do acompanhamento da gravidez e do momento do parto.
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A decisão de ter um filho é normalmente bastante ponderada e, não raras vezes, com apreensões sobre o futuro. Ter um bebé em tempo de uma doença quase desconhecida mas bastante infeciosa aumenta os receios, muito especialmente sobre as condições do acompanhamento da gravidez e do momento do parto.
Neste enquadramento, é muito reconfortante notar que entre março e agosto deste ano houve 6137 crianças que nasceram nos hospitais privados. Nunca tinha havido tantos partos no privado. O recorde obtido resulta do crescimento de cerca de 20% do número de mães/pais que decidiram confiar nos hospitais privados para este momento sempre tão especial da vida das famílias.
A escolha de um hospital – e registe-se que mais de quatro milhões de portugueses têm acesso facilitado aos hospitais privados ou do setor social, seja pela subscrição de seguros de saúde, seja pela pertença a um subsistema de saúde – prende-se muitas vezes com o nível de diferenciação existente, pelo que, em muitas circunstâncias, um cidadão que opta pelo SNS para determinados procedimentos vai a um hospital privado para uns atos e a um outro para diferentes especialidades.
Segundo os dados mais recentes do INE, há em Portugal 230 unidades hospitalares, dos quais 119 são privadas. Temos hospitais em todas as regiões do país, sendo que alguns deles (e a questão aplica-se aos hospitais privados como aos hospitais públicos) têm todas as especialidades médicas e cirúrgicas e outros têm uma capacidade e uma oferta adequada às necessidades mais prementes de uma determinada população. Assim, por exemplo, nem todos os hospitais têm urgências permanentes como nem todos os hospitais têm sala de partos e maternidade.
Recentemente, registou-se alguma incompreensão porque, em alguns casos, grávidas com covid-19 terão sido transferidas para hospitais do SNS. Vamos aos factos:
- Em 6137 partos realizados pelos hospitais privados entre março e agosto, houve cinco parturientes que foram transferidas para o SNS. Ou seja, a questão colocou-se em 0,1% dos casos;
- As cinco parturientes em causa foram transferidas de acordo com as instruções das autoridades de saúde;
- As transferências decorreram para que as grávidas com covid-19 fossem acompanhadas nos hospitais assumidos como de referência;
- O que aconteceu com os hospitais privados ocorreu exatamente da mesma forma com os hospitais públicos, cujas ARS lhes indicaram a rede de referenciação.
A questão mais geral prende-se com a gestão que em Portugal se assumiu do combate à covid-19. No caso dos hospitais privados houve a sua participação na luta nacional contra a pandemia desde o início. De acordo com as orientações específicas do Ministério da Saúde e da DGS, os hospitais privados prepararam-se para o tratamento dos doentes covid-19 e organizaram os serviços para receber doentes não covid de hospitais SNS. Os hospitais privados também colocaram imediatamente à disposição do sistema cinco hospitais (dois em Lisboa, um no Porto, um em Matosinhos e um em Lagos) para tratar doentes covid-19. Acontece que, em meados de abril, o Ministério da Saúde tomou unilateralmente outra decisão, assumiu que o SNS seria autossuficiente e prescindiu dos hospitais covid privados. A partir desse momento, os hospitais privados deixaram de receber doentes covid do SNS e reorganizaram-se para poder satisfazer de forma segura e mais adequada os seus doentes.
Tal como o SNS, também os hospitais privados estão organizados, com unidades algumas preparadas para doentes covid. Entendemos, isso sim, que seria benéfico para todos os cidadãos que houvesse uma melhor e mais clara articulação entre todas as instituições de saúde do país. Em rede funcionaríamos de forma mais eficiente e aumentaríamos o acesso aos cuidados de saúde, mas esta vontade política… ainda está para nascer.
Num momento em que cada vez mais vozes alertam para a necessidade da retoma completa da atividade assistencial, as escolhas políticas têm de pôr a saúde em primeiro. Quando, por exemplo, só no Norte já há 110 mil rastreios do cancro da mama em atraso, ninguém compreenderá que não se aproveitem todos os recursos do sistema. Um plano articulado entre público, privado e social, que coloque todos ao serviço de todos, é a via que a saúde dos portugueses exige.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico