South Park e um “especial da pandemia” que não é nada de especial

South Park: The Pandemic Special retrata uns Estados Unidos em estado de implosão num episódio de quarenta minutos cujas boas intenções nem sempre se fazem acompanhar de escrita inspirada.

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É quando se foca no impacto que a covid-19 tem tido na saúde mental das crianças que este episódio justifica a sua existência DR

Como é que se ficciona um ano que já de si parece uma distopia descontrolada? A questão deve ter passado pela cabeça de Trey Parker e Matt Stone quando os animadores escreveram South Park: The Pandemic Special, um episódio isolado de pouco mais de quarenta minutos que não é a estreia da 24.ª (!) temporada da série e que junta ao surrealismo típico da irreverente comédia todos os ingredientes que há uns tempos rotularíamos como ficção e que hoje fazem parte do nosso “novo normal” (essa expressão terrível), das máscaras no queixo ao fiasco do Zoom, da desgraça de todos os negócios pequenos no quarteirão às ruas desertas.

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Como é que se ficciona um ano que já de si parece uma distopia descontrolada? A questão deve ter passado pela cabeça de Trey Parker e Matt Stone quando os animadores escreveram South Park: The Pandemic Special, um episódio isolado de pouco mais de quarenta minutos que não é a estreia da 24.ª (!) temporada da série e que junta ao surrealismo típico da irreverente comédia todos os ingredientes que há uns tempos rotularíamos como ficção e que hoje fazem parte do nosso “novo normal” (essa expressão terrível), das máscaras no queixo ao fiasco do Zoom, da desgraça de todos os negócios pequenos no quarteirão às ruas desertas.

Não que a premissa seja particularmente brilhante. Longe disso, na verdade: Randy Marsh, que numa altura de crise está a fazer um sucesso com a sua venda a desconto de marijuana, teme que possa ter sido o responsável pela chegada do novo coronavírus aos seres humanos, depois de pensar no morcego e no pangolim com quem teve sexo anal (...) em Wuhan, numa escapada muito “boys will be boys” com Mickey Mouse (...). Percebemos a sátira quando vemos que começa por falar despreocupadamente da pandemia como “o vírus da China”, mas este não será o esforço mais inspirado de Parker e Stone (vem à cabeça o super-nazi Seth, de América Proibida, que muitas vezes parece mais uma caricatura do que uma pessoa “a sério”).

Refugiamo-nos na história dos miúdos Eric Cartman e Stanley Marsh (filho de Randy), que trazem os melhores momentos deste Pandemic Special. Eric, que em casa anda com o seu “pau de dois metros” para assegurar que nem os pais violam a sua distância de segurança, está perfeitamente contente com o ensino à distância: o traquina sabe tirar partido do Zoom e dos seus “problemas de ligação” como mais ninguém, livrando-se facilmente das suas responsabilidades e passando os dias na galhofa. O anúncio do iminente regresso presencial à escola vem alterar a sua tranquilidade, dando por outro lado algum alento a Stan, para quem “não se aprende nada nas aulas online”.

Mas podemos rir-nos disto?

É quando se foca no impacto que a covid-19 tem tido na saúde mental das crianças que este episódio justifica a sua existência. Não menos pertinente é a narrativa dos polícias, que perderam os fundos da Casa Branca e não podem cair no desemprego, pelo que serão agora os novos professores. Parker e Stone mostram-se muito mais inspirados quando apontam para a brutalidade policial e o racismo que vêm marcando a actualidade norte-americana desde que os Estados Unidos se conhecem como país (a punchline do agente que fica todo contente quando dispara sobre o braço do menino negro enquanto tenta pôr fim a um conflito que não tem nada a ver com o rapaz é a clássica piada que nos põe a pensar: “Mas podemos rir-nos disto?”) do que quando regressam ao arco de Randy para mostrarem que, afinal, o amante de substâncias recreativas pode salvar a humanidade se encher de sémen a marijuana que anda a vender aos vizinhos em isolamento como se a erva estivesse a sair de moda (são os anticorpos do seu ADN, percebem?...).

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A aposta de Randy Marsh na sua venda a desconto de marijuana compõe uma das principais histórias de South Park: The Pandemic Special DR

Há momentos em que The Pandemic Special parece feito especificamente para quem gosta de “toilet humor” (as piadas de masturbação — que, OK, até funcionam quando Randy olha para as toneladas de marijuana que tem acumuladas no seu armazém e pensa no trabalho que o espera —, os bigodes ridículos à imagem do anti-herói que vão aparecendo nas caras dos “stoners” como sintoma do novo coronavírus) e há momentos em que fala com excepcional lucidez sobre um ano em que proteger essa lucidez não é uma tarefa nada fácil (o mini-discurso de Stan à porta da Build-a-Bear acaba com um “I just want my life back” que é tão sincero que até conseguimos perdoar o cliché).

Infelizmente para os fãs de South Park, há também muitos momentos em que Parker e Stone se ficam pelo meio do caminho. O Presidente dos Estados Unidos diz que não ajuda a pôr fim à pandemia enquanto tiver mexicanos para matar, mas falta algo neste humor para a grande dica ser mais do que “2+2=4”. Se calhar, temos de dar o devido desconto aos criadores, que em 2017 chegaram a admitir a dificuldade de se fazer sátira no actual quadro político norte-americano. Se calhar, nada disto é suposto ter piada. Afinal de contas, quem disse que 2020 estava a ser engraçado?

South Park: The Pandemic Special, que contou como o 308.º episódio da série, foi exibido nos Estados Unidos pela Comedy Central a 30 de Setembro e está disponível na plataforma de streaming HBO Max desde o dia 1 de Outubro.