Os professores: sal da terra, luz da humanidade
Sem professores, nenhuma outra profissão existiria. Sem professores, a herança científica, tecnológica e artística tenderia a desaparecer. Sem professores, a vida social e cultural ficaria mergulhada num deslaçamento caótico.
“Os professores não têm futuro. Eles são o futuro.”
Philippe Meirieu
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“Os professores não têm futuro. Eles são o futuro.”
Philippe Meirieu
“Ensinar não é uma atividade como as outras. Poucas profissões serão causa de riscos tão graves como os que os maus professores fazem correr aos alunos que lhe são confiados. Poucas profissões supõem tantas virtudes, generosidade, dedicação e, acima de tudo, talvez entusiasmo e desinteresse. Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os ofícios.”
Pierre Bourdieu
Sabemos que ser professor é uma profissão única e singular. Sem professores, nenhuma outra profissão existiria. Sem professores, a herança científica, tecnológica e artística tenderia a desaparecer. Sem professores, a vida social e cultural ficaria mergulhada num deslaçamento caótico. E por isso, deveria ser o primeiro de todos os ofícios. No entanto, esta óbvia centralidade não tem tido o reconhecimento devido, seja no exterior, seja no interior da profissão.
No exterior, assistimos frequentemente a uma desvalorização do seu papel e estatuto. A uma desconsideração sobre o seu lugar no mundo educativo. A uma proletarização das suas condições de vida e de trabalho. De facto, basta lembrar a precariedade laboral de muitos milhares de professores sucessivamente contratados durante repetidos anos; a peregrinação recorrente por múltiplos lugares numa exigente adaptação a muitos contextos geográficos; o bloqueamento na progressão da carreira, congelando legítimas expetativas e burocratizando o regime de avaliação; a muito difícil tarefa de ensinar, muitas vezes, quem não quer aprender e de interagir semanalmente com muitas dezenas de alunos, todos únicos, todos diferentes; a intensificação (e a crescente complexidade) do trabalho que tende a ultrapassar largamente as horas legalmente prescritas; um estatuto da carreira docente estrangulado, funcionarizado e mal pago; um tempo pandémico que exige tudo às escolas e aos professores numa missão de alta complexidade; e a desautorização praticada por instâncias políticas e administrativas que se não coíbem de ordenar e de mandar executar ações que deveriam ser da responsabilidade exclusiva de cada profissional ou do colégio docente.
Os fatores enunciados fazem da profissão uma prática socialmente desprestigiada e pouco atraente, havendo o risco de uma crescente falta de professores, já hoje visível em diversos grupos de docência. A conjugação desta escassez com o envelhecimento crítico da classe é de molde a instituir um grave grito de alerta que tem de ser urgentemente considerado.
Mas não são só do exterior que surgem estes sinais preocupantes. No interior da classe, há uma excessiva tentação do rebanho, uma grande dessintonia em relação às funções chave do que deveria ser um professor, uma persistente subserviência face a orientações superiores que deveriam ser ilegítimas e por isso não acatadas, um excesso de obediência burocrático-normativa que faz esquecer o dever primeiro de fazer aprender, uma clausura no fechamento da sala de aula, uma solidão existencial que tende a não ver a vantagem do trabalho colaborativo no enfrentar e no resolver os problemas de aprendizagem, uma adesão a práticas avaliativas tendencialmente seletivas e excludentes, um investimento provavelmente insuficiente na capacitação e desenvolvimento profissional.
A profissão vive, assim, entre a proletarização e o profissionalismo. E seria bom que um número crescente de professores preferisse e praticasse uma ordem profissional mais autónoma, mais crítica, mais reflexiva, mais comprometida, mais solidária, mais colegial e mais inscrita no território onde se exerce. Pois só esta ordem nos redime da tentação canina e nos salva.
Mas esta opção exige uma radical desaprendizagem e uma reinvenção da pedagogia. Neste tempo tão exigente e cruel, precisamos de olhar, ver, reparar e intervir. Desaprender o vício da exposição, a servidão do dar a matéria e cumprir o programa, a comodidade do ensinar a todos como se todos fossem um. Fazer a identificação do que é dispensável ensinar e aprender, prescindindo de tudo o que sobretudo visa operar a distinção e a segregação escolar. Selecionar o que é social e humanamente relevante, nunca descurando a empregabilidade social dos saberes. Implicar os educandos na procura dos problemas e das soluções, organizando situações didáticas de participação, de pesquisa, de debate, de produção de conhecimento que ilumine a ação. Diversificar e contrastar as fontes de informação, escrutinar a fiabilidade, perceber a verdade e a falsidade. Multiplicar os canais de comunicação, os sistemas de entreajuda e complementaridade. Clarificar as metas ou os objetivos a alcançar e os caminhos e recursos que poderão sustentar um trabalho progressivamente mais competente, responsável e autónomo. Clarificar ab initio os critérios, os instrumentos e os procedimentos de avaliação, as condições de êxito e inêxito, as regras do jogo avaliativo. Valorizar a função reguladora, emancipadora e democrática da avaliação que deve ser muito mais importante do que a função classificativa/certificativa. Reconhecer e valorizar as inteligências múltiplas e saber que o sucesso tem de ser conjugado no plural, porque não há um, mas vários sucessos e a escola tem de os ver, reconhecer e valorizar. Criar e adotar múltiplos instrumentos de avaliação, relegando o teste escrito (os dois por período) para um secundaríssimo plano. Exercer a autoridade no seu sentido pleno e original de fazer crescer o outro em responsabilidade e autonomia. Dispensar a ameaça que inibe e o medo que paralisa procurando fundar uma comunidade exigente e solidária.
Também por estas razões, este é, como disse Bourdieu, o primeiro de todos os ofícios: o mais exigente, o mais necessário, o mais sensível, o mais delicado, o mais difícil. Um ofício que deveria merecer um outro suporte social e político, um outro olhar, um outro reconhecimento. A esperança e a confiança passam, necessariamente, por aqui.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico