Cinema português: onde cortar?
Portugal, que está muito abaixo da média europeia no que se refere a apoios públicos à actividade cinematográfica, corre o risco de ver agudizada esta situação.
As receitas do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) não estão inscritas no Orçamento de Estado como receita geral (de cobrança de impostos), ao contrário do que acontece com as outras entidades tuteladas pelo Ministério da Cultura. O ICA é financiado exclusivamente através de duas fontes principais: a Taxa de Exibição (um encargo dos anunciantes sobre o preço pago pela publicidade exibida nas televisões e salas de cinema); e a Taxa de Subscrição (uma taxa anual paga pelas empresas que fornecem o acesso doméstico a serviços de televisão - vulgarmente conhecidos como “TV por cabo” - calculada em função do número de assinantes).
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As receitas do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) não estão inscritas no Orçamento de Estado como receita geral (de cobrança de impostos), ao contrário do que acontece com as outras entidades tuteladas pelo Ministério da Cultura. O ICA é financiado exclusivamente através de duas fontes principais: a Taxa de Exibição (um encargo dos anunciantes sobre o preço pago pela publicidade exibida nas televisões e salas de cinema); e a Taxa de Subscrição (uma taxa anual paga pelas empresas que fornecem o acesso doméstico a serviços de televisão - vulgarmente conhecidos como “TV por cabo” - calculada em função do número de assinantes).
Este modelo é uma versão tímida e obsoleta daquilo que é praticado em outros países. Os valores, insuficientes, que anualmente são obtidos através destes mecanismos são o que permite ao ICA tentar cumprir aquilo que está previsto na sua missão, contribuindo para a diversidade da oferta cultural, promovendo a produção de filmes de ficção, documentários, animações, longas e curtas-metragens, tanto de realizadores/as jovens como consagrados. Dentro da missão do ICA inclui-se também o fomento e promoção das artes cinematográficas em toda a sua cadeia: na distribuição, exibição e internacionalização. Até mesmo a Cinemateca Portuguesa e o Arquivo Nacional da Imagem em Movimento (ANIM) dependem das Taxas de Exibição.
Para que toda esta frágil rede se mantenha, quanto sai do Orçamento de Estado? Zero.
Por isso mesmo, é ainda mais impressionante que, com uma produção tão reduzida, o cinema português continue a encontrar os seus públicos em todo o mundo, conquistando presenças e prémios nos mais importantes festivais internacionais, e continue a revelar novos talentos, jovens cuja possibilidade de continuar a filmar poderá tornar-se cada vez mais difícil.
Esta terça-feira, dia 6 de Outubro de 2020, os deputados que integram a Comissão de Cultura e Comunicação vão discutir e votar a Proposta de Lei nº 44/XIV. Esta Proposta de Lei é apresentada pela SECAM, transpondo para a ordem jurídica portuguesa a Directiva Europeia 2018/1808, relativa aos Serviços de Comunicação Social Audiovisual.
A proposta incide, entre outras, na Lei do Cinema. Se aprovada sem alterações de fundo, será uma lei nova mas que nasce velha, ao aceitar que o ICA se torne num Instituto esvaziado orçamentalmente. É inacreditável que um secretário de Estado que deveria lutar pela capacidade de implementação de políticas culturais, venha propor transformações estruturais na lei que têm como consequência imediata uma possível redução do orçamento do ICA já no próximo ano, e com uma tendência de queda para os anos seguintes.
Vejamos: com a migração da publicidade televisiva para outros meios, os valores arrecadados pelas Taxas de Exibição estão em queda há vários anos. Por outro lado, as receitas da Taxa de Subscrição - que incide exclusivamente nos pacotes de subscrição de serviços de TV - atingiram o seu limite: cerca de 90% das famílias portuguesas já têm uma assinatura de “cabo” e o expectável é que em Portugal muitos clientes acompanhem a tendência de outros países, abandonando os serviços tradicionais de televisão paga, adquirindo apenas “pacotes” de internet. Assim, os dois mecanismos que permitem a existência e funcionamento do ICA, precisam há vários anos de ser complementados por uma lei que atualize as fontes de financiamento, permitindo a sobrevivência de um ecossistema cultural carente de meios e protecção.
Ao mesmo tempo, empresas gigantescas como a Netflix entram em Portugal sem contribuir com um único cêntimo para as receitas do ICA - ficando livres de escolher, através de “obrigações de investimento”, para onde querem canalizar as suas obrigações fiscais. Já em França, desde 2018 que este tipo de serviços contribui com 2% das suas receitas para o CNC (homólogo do ICA), além das obrigações de investimento que aí têm valores palpáveis e que efetivamente têm impacto na produção daquele país.
Portugal, que está muito abaixo da média europeia no que se refere a apoios públicos à actividade cinematográfica, corre o risco de ver agudizada esta situação - é o próprio ICA que o diz na sua apreciação da actual Proposta de Lei. Para inverter esta tendência, a única medida significativa apresentada pela SECAM e que reúne consenso no setor nos partidos, é a inclusão das despesas de funcionamento do ICA nas verbas gerais do Orçamento de Estado. Esperemos que um golpe palaciano não anule esta medida, que elogiamos, mas sem deixar de sublinhar a sua insuficiência.
Já o ICA, acrescenta uma outra proposta que é também consensual, e que merece todo o apoio da Plataforma do Cinema: alargar a Taxa de Exibição à publicidade audiovisual exibida em serviços de partilha de vídeo, tais como o Youtube. Ainda assim, e mesmo que estas duas medidas sejam aprovadas, o ICA sinaliza que este aumento “(…) corresponderia a 15% - 20% da receita atual. Logo, não acomoda mais do que uma perda equivalente a nível de outras receitas.”
Recordamos que a lei que ainda vigora foi aprovada durante um Governo PSD. Quanto à proposta para a nova lei, quem serão os seus beneficiários? Não é certamente o ICA, que é o primeiro a reconhecer a quebra nas receitas. Não é também o sector do Cinema, que ficará com menos meios. E também não são os cidadãos, enquanto potenciais espectadores, que vêem a possibilidade de fruição e acesso à diversidade cultural promovida pelo ICA ficar ainda mais limitada. Num momento em que são anunciados e esperados aumentos orçamentais na Cultura - promessa antiga do PS - não aceitamos que o Cinema fique para trás.
Entretanto, o novo Plano Estratégico Plurianual do ICA será apresentado no dia 9 de Outubro. Ao contrário do que aconteceu com a discussão desta Proposta de Lei, contamos com a presença da Ministra Graça Fonseca e do Secretário de Estado Nuno Artur Silva, para que provavelmente nos possam responder: onde vão cortar?
Os membros da Plataforma do Cinema são:
Agência da Curta Metragem
Apordoc – Associação pelo Documentário
APR – Associação Portuguesa de Realizadores
Casa da Animação - Associação Cultural
CENA-STE – Sindicato dos Músicos, dos Trabalhadores do Espectáculo e do Audiovisual
Curtas Vila do Conde
Doclisboa
IndieLisboa
Monstra
PCIA - Produtores de Cinema Independentes Associados
Porto/Post/Doc
Portugal Film
Queer Lisboa
SINTTAV – Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual