O desporto é um farol em tempos de pandemia
Se de algo estamos certos é que o desporto de competição será, uma vez mais, alfobre de capacidades que podem motivar o regressar, o mais cedo possível, a uma normalidade por que todos ansiamos, mas que reconhecemos, hoje, estar ainda longe.
Há um século, o mundo procurava emergir de um período negro em que dois acontecimentos de âmbito global, a denominada “Primeira Guerra Mundial” e a “Gripe Espanhola”, tinham dizimado mais de uma centena de milhão de seres humanos.
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Há um século, o mundo procurava emergir de um período negro em que dois acontecimentos de âmbito global, a denominada “Primeira Guerra Mundial” e a “Gripe Espanhola”, tinham dizimado mais de uma centena de milhão de seres humanos.
Nos cem anos que se seguiram, até aos dias de hoje, infelizmente poucos locais do Mundo se podem orgulhar, de uma maneira ou de outra, de não terem passado por período de assinalável destruição, sendo, certamente, a meia dúzia de anos que mediou entre 1939 e 1945 o mais trágico de quantos nos assolaram.
O desporto de competição foi, sem dúvida, uma das “invenções” que fizeram parte daquelas que lideraram o desenvolvimento humano ao longo de todo o século XX e soube, nos períodos em que a espécie humana necessitava de algo que a fizesse acreditar no futuro, ser um exemplo de resiliência. Se, logo em 1919, os denominados Jogos Pershing ou Jogos Interaliados foram um sinal evidente da importância do desporto, no relançar da humanidade, em 1945 ainda se combatia na Ásia, nos resquícios do conflito mundial, e já o sueco Sigfrid Edstrom, que viria a ocupar a presidência do Comité Internacional Olímpico, convocava para 21 de Agosto desse ano o que restava da Comissão Executiva do CIO, para uma decisiva reunião onde foram relançadas as bases da recuperação do movimento olímpico, as quais, por arrastamento, se espraiaram por todo o tecido desportivo, contagiando o renascer das federações internacionais de modalidade.
O desporto soube, então, tal como noutras ocasiões menos dramáticas, ser um dos faróis de uma sociedade quase estremunhada a acordar de um destrutível pesadelo. Vivemos hoje aquele que pode ser o mais dramático momento da humanidade do último século, cujo fim não é ainda possível nem realisticamente previsível. É altura de encontrar soluções para um problema que a todos afeta e cuja dimensão não somos ainda capazes de antever. Mas se de algo estamos certos é que o desporto de competição será, uma vez mais, alfobre de capacidades que podem motivar o regressar, o mais cedo possível, a uma normalidade por que todos ansiamos, mas que reconhecemos, hoje, estar ainda longe.
É pelo reconhecimento destas capacidades que temos mais de uma vez afirmado que o desporto tem sido desvalorizado ao longo de todo o processo, não tendo nós, que sabemos profundamente a especificidade das diferentes modalidades e das diversas especialidades que cada uma encerra, sido muitas vezes chamados para ajudar a encontrar soluções para o desenvolvimento da sua prática perante os condicionalismos existentes.
O caminho percorrido desde o início do desconfinamento foi árduo e longo, precisamente porque quem tinha profundo conhecimento dos temas não foi chamado a intervir. Hoje, resolvidos alguns dos problemas das práticas competitivas ao nível dos escalões seniores, persiste a discussão em torno da existência, ou não, de espetadores e o desporto tem sido uma vez mais ignorado. Este foi tema que a Confederação do Desporto de Portugal lançou, na convicção profunda de que uma competição sem espetadores é algo completamente distorcido dos seus objetivos, até pelo que a sua falta representa no desempenho competitivo dos atletas. Estávamos no início do passado mês de agosto e era, então, convicção de que perante o número de infeções diárias com covid-19, situado na ordem da centena, seria o momento adequado para se iniciar a discussão em torno do tema que permitisse, sobretudo, coloca-lo em prática, desde logo, em modalidades de ar livre e ambientes, digamos, “saudáveis”.
Claro que nem sequer estava a comparar com o que se passa com a possibilidade da existência de público nas atividades culturais em recintos fechados, as quais, devo acrescentar, não só respeito e aprecio como sou incondicional fã!
O desporto de competição foi discriminado e, hoje, quando o número de novas infeções diárias se aproxima do milhar, compreendemos que é muito mais difícil abordar a questão, tanto mais, e muito assertivamente, que muito embora a decisão caiba ao Governo, baseado na opinião da Secretaria de Estado do Desporto, a decisão técnica caberá à Direção Geral da Saúde.
Mas agora que as modalidades desportivas recomeçam a dar os primeiros passos pós pandemia, e estando certo da sua importância como fator extremamente positivo para a motivação e mesmo revitalização da sociedade, o desporto precisa de público e o público precisa do desporto de competição para uma visão mais otimista do futuro. Há muito desporto de competição que pode comportar público e nós estamos prontos para discutir como e quando fazê-lo e, como sempre, de forma responsável.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico