Parlamento aprova alterações à Lei da Nacionalidade e envia-a de novo para Belém

As alterações à lei foram aprovadas pelos deputados e regressam ao Palácio de Belém para nova avaliação de Marcelo Rebelo de Sousa.

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Um emigrante Paulo Pimenta

O Parlamento aprovou esta sexta-feira as alterações à Lei da Nacionalidade cuja proposta foi inicialmente vetada pelo Presidente da República por não ser suficientemente inclusiva, uma vez que discriminava casais sem filhos ou com filhos já nascidos em Portugal. As alterações foram aprovadas com os votos a favor do PS, BE, PCP, PAN, PEV e das deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. PSD, CDS e Chega votaram contra a proposta e o deputado da Iniciativa Liberal (IL) absteve-se. Foram também votadas as propostas de alteração apresentadas pelo BE e pela IL, mas foram chumbadas.

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O Parlamento aprovou esta sexta-feira as alterações à Lei da Nacionalidade cuja proposta foi inicialmente vetada pelo Presidente da República por não ser suficientemente inclusiva, uma vez que discriminava casais sem filhos ou com filhos já nascidos em Portugal. As alterações foram aprovadas com os votos a favor do PS, BE, PCP, PAN, PEV e das deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. PSD, CDS e Chega votaram contra a proposta e o deputado da Iniciativa Liberal (IL) absteve-se. Foram também votadas as propostas de alteração apresentadas pelo BE e pela IL, mas foram chumbadas.

O diploma aprovado esta sexta-feira prevê, tal como o anterior, que um estrangeiro casado ou em união de facto com um português há mais de três anos possa adquirir a nacionalidade portuguesa. Mas elimina a norma que impedia que essa possibilidade fosse alargada aos estrangeiros que tenham filhos em comum com um português, e portanto já portugueses, mesmo que estejam juntos há menos de três anos, uma vez que “desfavorece casais sem filhos" incluindo aqueles que não os podem ter.

A nova Lei da Nacionalidade prevê também a atribuição de nacionalidade portuguesa à nascença aos filhos de imigrantes legais a residir há um ano em Portugal.

O BE propunha que a concessão da nacionalidade não ficasse dependente da duração do casamento ou da união de facto, mas o texto foi chumbado com os votos contra do PS, PSD, CDS, CH, IL e da deputada Cristina Rodrigues. A socialista Constança Urbano de Sousa considerou que o diploma bloquista abriria a porta “à violação da lei” e seria “tributário”, vincando que a lei da nacionalidade não pode servir para gerir fluxos migratórios. Já a IL pretendia diminuir o período mínimo de vida em comum do casal para dois anos, mas a proposta foi chumbada com os votos contra do PS, PSD, PCP, PEV, CH, CDS.

Horas antes, no debate, os deputados da esquerda já tinham dado sinal de que pretendiam aprovar as alterações apontadas pelo Presidente da República. Para Beatriz Gomes Dias, do BE, o veto seria uma “oportunidade de remover alguns obstáculo que impedem a plena integração dos imigrantes em Portugal” e o comunista António Filipe congratulou-se pelo facto de finalmente estarem reunidas as “condições para pacificar esta questão”.

Não obstante o voto favorável dado pelo PAN, Nelson Silva [deputado que se encontra temporariamente a substituir André Silva] afirmou que o veto de Marcelo é “no mínimo estranho”, uma vez que levanta dúvidas sobre uma lei que o próprio promulgou em 2018. “Este veto parece querer esconder debaixo de formalismos uma divergência maior que, por conveniência, não deve ser assumida”, considerou.

Já à direita não se ouviram elogios, especialmente das bancadas do PSD, CDS e Chega que criticaram as alterações introduzidas. Do lado do PSD, que votou contra os projectos, a deputada Catarina Rocha Ferreira considerou que a legislação em discussão “trata melhor filhos de estrangeiros nascidos em Portugal” do que os próprios portugueses e pediu ao Parlamento que reflicta e evite que, a longo prazo, se trace um caminho que atribua automaticamente nacionalidade portuguesa a quem nasça em Portugal.

Telmo Correia, do CDS, criticou a redução de prazos para concessão da nacionalidade, de cinco para dois e agora para um ano. “É um erro que esta iniciativa não trava, antes incentiva”, disse. O centrista considerou “um erro absoluto” que não se distinga entre quem tem residência legal ou ilegal (o diploma que foi a Belém aprova apenas que os filhos de imigrantes legais a residir há um ano em Portugal possam ser portugueses à nascença), temendo a desvalorização da nacionalidade portuguesa.

Para André Ventura, do Chega, o veto do Presidente da República foi “tacticista” e o PS “cedeu à extrema-esquerda”, criticando também que não se distinga entre imigrantes legais ou ilegais. “É uma nacionalidade próxima de ser criminosa”, considerou.

Joacine Katar Moreira, deputada não-inscrita, considerou que “não foram feitos progressos enormes na melhoria da actual lei da nacionalidade”, mas ainda assim assinala o “impacto enorme dos avanços” para uma “legislação mais enquadrada e com uma óptica mais humanizante”.

Na quinta-feira, a vice-presidente da bancada socialista Constança Urbano de Sousa já tinha adiantado que o PS iria “atender plenamente” às objecções. “O grande objectivo desta lei é aprofundar o direito de solo, para que os filhos dos imigrantes possam ter a nacionalidade portuguesa quando nascem em território nacional”, justificou.

PS e PAN querem proteger direitos digitais

Além das alterações à Lei da Nacionalidade, o Parlamento aprovou as propostas do PS e do PAN de aprovação de uma Carta dos Direitos Digitais.

As propostas sobre os direitos fundamentais na era digital baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com o voto a favor dos partidos proponentes (e da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, no caso da proposta do PAN) e os votos contra da IL e do CH.

A criação de uma Carta dos Direitos Digitais terá como propósito atenuar a desigualdade de acesso à internet, quer em função do rendimento, da área geográfica ou das qualificações, a consagração do direito de acesso neutral à Internet, a transparência das entidades públicas e o reforço do direito à informação dos cidadãos e a criação da figura da acção popular digital que permite aos cidadãos e às associações representativas dos consumidores assegurar a defesa dos direitos digitais dos cidadãos.

Cursos técnicos superiores com limite no valor das propinas

Foi também aprovado na generalidade um projecto-lei do PAN que limita a alteração do valor das propinas dos cursos técnicos superiores profissionais e dos cursos dos 2.º e 3.º ciclos de estudos ministrados em instituições de Ensino Superior públicas, com os votos a favor de PS, BE, PAN, IL e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, voto contra do PSD. As restantes bancadas abstiveram-se.

Em votação estiveram também propostas do BE e do PCP que sugeriam, respectivamente, a fixação de um tecto máximo das propinas nos 2.º e 3.º ciclos do ensino superior e nas pós-graduações e a eliminação total das propinas no ensino superior no sector público (fixadas nos 607 euros para licenciaturas e mestrados integrados). Ambas as propostas foram travadas com os votos contra do PS e do PSD.

Arrendamento para pessoas com animais de companhia vai ser discutido

Os deputados aprovaram por unanimidade a proposta do PAN e a proposta da deputada não-inscrita eleita inicialmente pelo PAN Cristina Rodrigues, de assegurar a não discriminação no acesso à habitação por quem possui animais de companhia. Não obstante, as duas propostas, que baixam à comissão, ouviram críticas de quase todas as bancadas parlamentares e deverão sofrer alterações na especialidade.

Maria Manuel Rola, do BE, sublinhou o impacto financeiro da pandemia, lembrando que o acesso à habitação tem implicações na saúde e que é por isso urgente que se proteja os inquilinos. “Devemos incluir propostas que reforcem o convívio entre todos os habitantes do prédio”, sugeriu a deputada do BE, que votará a favor.

Mariana Silva, do PEV, diz que “este é um caminho difícil” e que devem ser garantidos cuidados para que não existam recuos nas conquistas.

O socialista Pedro Delgado Alves disse que é importante “conciliar interesses” e considerou que há um problema de base nos diplomas, por equiparar a cláusula de não discriminação aplicada aos direitos humanos (de não discriminação sobre género e orientação sexual, por exemplo). “Se estamos a falar de um T0 ou T1 em que o impacto de um animal pode ser grande não podemos aplicar a mesma lei. Devemos identificar as circunstâncias em que deve ser acautelado esse direito”, explicou o deputado socialista, que se mostrou disponível para uma proposta “mais equilibrada”.

Do lado da IL, João Cotrim de Figueiredo insistiu na distinção entre direitos de animais e direitos humanos e pediu que não se confundissem as garantias, defendendo a autonomia dos senhorios. “Os animais não são pessoas e a maior prova de amor e respeito é não os tratar como tal”, disse. Também João Gonçalves Pereira, do CDS, considerou que o Estado não pode obrigar o senhorio a arrendar a casa a um inquilino se entender que o melhor é que no espaço não haja animais.

Do lado dos sociais-democratas, Márcia Passos considera que a questão “não está bem colocada de princípio” e que, excluindo a habitação social, obrigar um senhorio a arrendar pode traduzir-se num mecanismo dificultador de arrendamento para quem procura casa”, incluindo o pagamento de prémios de seguro ou pedidos de caução mais elevados, dificultando o acesso à habitação. “Parece-nos mal criar um elemento desestabilizador no arrendamento”, disse, ainda que admita reflexão em sede de especialidade.

Grávidas com direito a acompanhante?

O Parlamento está um passo mais próximo de pressionar o Governo e Direcção-Geral de Saúde a garantir o direito da grávida ter um acompanhante em todos os momentos da gravidez e parto, o que nem sempre é garantido devido aos constrangimentos causados pela pandemia. No total, estiveram em votação quatro diplomas (PAN, BE, IL e deputada não-inscrita Cristina Rodrigues) e todos eles foram aprovados com os votos a favor de PS, BE, PAN, CH, IL e deputadas não-inscritas. O PCP e PEV votaram favoravelmente a proposta do PAN e BE, mas abstiveram-se nas outras duas.

Foi também fixado o texto final da proposta inicialmente apresentada pelo PAN que altera o acesso ao Banco de Portugal por parte da banca. Inês de Sousa Real, do PAN, ainda apelou a uma reconsideração do BE e do PCP para que não apoiassem “o bloco central”, mas o diploma final ficou mesmo aquém das intenções do PAN de criar um período de nojo de cinco anos entre o exercício de funções no Governo em pastas da área das Finanças ou entre funções na banca privada e em consultoras e auditoras ligadas ao Banco de Portugal.