Cumpram a Constituição. Não é um adorno, é para usar

Advinha-se uma campanha difícil para os democratas, nestes tempos em que partidos fascistas apresentam candidatos, partidos que fazem tábua rasa do texto constitucional e populistas de vários quadrantes. Não vai ser fácil, entre tanto barulho, ouvir quem tenha um projecto e quem se apresente como defensor da Constituição da República Portuguesa.

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Miguel Manso

A Constituição da República Portuguesa (CRP) não é um adorno para remover da prateleira em dia de visitas e fazer um figurão ao demonstrar o quão intacta está. Não se trata, tampouco, de um livro mumificado com raro interesse museológico — isto porque não é uma espécie de bíblia, mas a sua antítese. Na bíblia encontramos dogmas e paradigmas morais ligados à fé de um outro mundo, na Constituição deparamo-nos com a vida em movimento, orientações, um rumo para este país em que pisamos os pés e tão bem conhecemos. Não vale dizer que se conhece a Constituição e raramente lhe dar cumprimento. Esta alusão ao texto fundamental é crucial, sobretudo num momento em que nos aproximamos a passos largos das eleições presidenciais. E sendo a mais alta magistratura o cargo de presidente da República Portuguesa, este encerra em si vastos poderes, ainda que não governativos, que podem e devem influenciar o rumo da governação e, primordialmente, mobilizar o povo para a construção de uma sociedade mais justa e livre, assim como dita a nossa Constituição.

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A Constituição da República Portuguesa (CRP) não é um adorno para remover da prateleira em dia de visitas e fazer um figurão ao demonstrar o quão intacta está. Não se trata, tampouco, de um livro mumificado com raro interesse museológico — isto porque não é uma espécie de bíblia, mas a sua antítese. Na bíblia encontramos dogmas e paradigmas morais ligados à fé de um outro mundo, na Constituição deparamo-nos com a vida em movimento, orientações, um rumo para este país em que pisamos os pés e tão bem conhecemos. Não vale dizer que se conhece a Constituição e raramente lhe dar cumprimento. Esta alusão ao texto fundamental é crucial, sobretudo num momento em que nos aproximamos a passos largos das eleições presidenciais. E sendo a mais alta magistratura o cargo de presidente da República Portuguesa, este encerra em si vastos poderes, ainda que não governativos, que podem e devem influenciar o rumo da governação e, primordialmente, mobilizar o povo para a construção de uma sociedade mais justa e livre, assim como dita a nossa Constituição.

Neste nosso regime semipresidencialista, o Presidente da República não está arredado da discussão política, nem lhe está apenas reservado o papel de animador da pátria, como temos sido habituados ao longo dos últimos anos. Os artigos 134º, 135º e 136º da CRP, por exemplo, elencam um grande leque de poderes alocados ao mais alto cargo da República e em todos eles existe um denominador comum: cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa. Este juramento que o Presidente da República faz na tomada de posse não pode ser esvaziado de significado porque a sua magistratura tem naquelas palavras o objectivo primevo de qualquer mandato presidencial. A dignidade do mais alto representante da República Portuguesa é tão mais alta quanto o esforço para encaminhar o país no sentido da Constituição, o garante e a última defesa da democracia em Portugal. Mais, a Constituição é o garante de todos os direitos que ainda não nos foram capazes de retirar porque este texto fundamental de 1974 constitui a definição de uma das democracias mais avançadas do mundo.

Advinha-se uma campanha difícil para os democratas, nestes tempos em que partidos fascistas apresentam candidatos, partidos que fazem tábua rasa do texto constitucional e populistas de vários quadrantes. Não vai ser fácil, entre tanto barulho, ouvir quem tenha um projecto e quem se apresente como defensor da CRP e, por conseguinte, defensor dos interesses do povo português. Vão ser muitos os soundbites a disputar visualizações nas redes sociais e vai haver muita discrepância na cobertura mediática, como é, aliás, costume neste nosso Portugal onde uns sonham com Novembro quando sabemos que estaremos sempre em Abril. Uns vão trazer a pedofilia como bandeira a envergar, outros a corrupção, haverá quem se suporte num suposto trabalho realizado que fica muito aquém do esperado de um defensor da Constituição. Mas também haverá quem mostre o apego do povo português ao Estado de Direito e não se sirva da pandemia para atiçar o ânimo dos portugueses com ideias velhas numa suposta nova realidade.

A realidade em que vivemos é a mesma, apenas agravada pelas consequências da pandemia e, por isso, não é com as velhas políticas e os do costume que conseguiremos almejar o país com que sonhamos ao escrever a Constituição. Diz-nos o artigo 2º: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”

O nosso trabalho é simples: em qual das candidaturas podemos retirar este espírito democrático e avançado, no interesse do povo, que a Constituição garante? Para mim, a resposta é obvia.