Gestão dos semáforos na EMEL não é smart
A aquisição dos sistemas Core municipais não pode ter uma dimensão setorial, ela deve de ser pensada de forma transversal, integrada e orientada por uma visão única que reflita as múltiplas realidades que ocorrem simultaneamente na cidade e permitam respostas imediatas, adequadas e eficazes.
Desilusão e frustração foi o que senti ao ler o anúncio da EMEL de lançamento do concurso público para aquisição do Sistema Inteligente de Mobilidade da cidade de Lisboa, que irá gerir a rede semafórica da cidade. Não pela legitimidade de Lisboa substituir e modernizar os seus sistemas internos de gestão de mobilidade, mas por entender a delegação do procedimento contratual na EMEL como o regresso a uma mentalidade sectorial e desarticulada da gestão inteligente da informação da cidade.
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Desilusão e frustração foi o que senti ao ler o anúncio da EMEL de lançamento do concurso público para aquisição do Sistema Inteligente de Mobilidade da cidade de Lisboa, que irá gerir a rede semafórica da cidade. Não pela legitimidade de Lisboa substituir e modernizar os seus sistemas internos de gestão de mobilidade, mas por entender a delegação do procedimento contratual na EMEL como o regresso a uma mentalidade sectorial e desarticulada da gestão inteligente da informação da cidade.
Quando assumi responsabilidades executivas no Município de Lisboa (2013-2017) fui confrontado com um sistema informático que era uma estrutura complexa, cara e muito pesada e que tinha sido historicamente concebido de forma essencialmente vertical e departamental. O resultado era uma arquitetura desatualizada, insegura, redundante, desarticulada, de difícil manutenção e forte dependência dos grandes fornecedores de software. De igual modo, não estava disseminada uma visão estratégica e integradora que orientasse o desenvolvimento do sistema de informação municipal ao que acresce que a gestão inteligente dos imensos dados disponíveis na tomada de decisão quotidiana era uma mentalidade quase inexistente.
Sinto que o processo de modernização e transformação digital que lancei e geri durante 4 anos foi dos legados mais importantes que deixei no meu mandato como vereador. Um programa de transformação digital assente em 7 pilares de orientação estratégica, mas globalmente integrado e interoperável através de uma Plataforma Central de Gestão Inteligente de Lisboa (PGIL) operacionalmente coordenada e gerida por uma equipa multidisciplinar, de responsabilidades e hierarquias bem definidas a operar de forma conjunta, e em tempo real, num Centro de Operações Integrado (que designámos de COI). Com esta equipa e plataforma pretendia-se ter uma estrutura municipal com a responsabilidade de monitorizar, analisar e gerir a analítica de todo o ecossistema urbano da cidade, possibilitando a melhoria dos tempos de resposta e a prestação mais eficaz de serviços ao cidadão, de forma preventiva e cooperante.
A ambição do COI representou uma enorme disrupção do modelo de funcionamento e gestão operacional da cidade. A sua implementação foi coordenada por uma Unidade de Missão dedicada com apoio de 2 instituições do ensino superior de Lisboa e de acordo com as orientações técnicas preconizadas pelas políticas de inovação e contratação pública de sistemas de informação da União Europeia. A contratação da PGIL foi formalizada em julho de 2017 com uma capacidade de tratamento de informação para 60.000 sensores. Em 2019, a PGIL foi premiada pelos Smart 50 Awards, na categoria de Transformação Digital, um conceituado galardão internacional que distingue os 50 projetos inteligentes mais transformadores ao nível urbano.
Perante este investimento em tecnologia, em pessoas e em cultura organizacional o que esperava era que todos os novos investimentos estratégicos em sistemas de informação do município fossem planeados, concebidos e contratualizados mediante uma matriz e direção comum. A total interoperabilidade, integração e articulação com a PGIL e estrutura de funcionamento do COI. Ora não é isso que parece estar a acontecer com a delegação da aquisição dos sistemas de gestão da mobilidade da cidade na EMEL!
Mas sendo a EMEL uma empresa 100% detida pelo município do Lisboa, não será exatamente o mesmo? Na minha opinião, claramente que não. Não é um sentimento de desconfiança sobre a entidade contratante, mas de entropia ao processo de transformação da CML como autarquia inteligente.
As cidades são ecossistemas complexos, dinâmicos e com múltiplos interesses contraditórios. A aquisição dos sistemas Core municipais não pode ter uma dimensão setorial, ela deve de ser pensada de forma transversal, integrada e orientada por uma visão única que reflita as múltiplas realidades que ocorrem simultaneamente na cidade e permitam respostas imediatas, adequadas e eficazes. Não existe gestão inteligente da Mobilidade Urbana sem considerar os muitos eventos, programados ou espontâneos, que ocorrem diariamente no espaço público, as necessidades de socorro e as ações de segurança e proteção civil, a volatilidade climatérica e a variância nos comportamentos padrão dos cidadãos. Só a centralização e integração de múltiplas fontes de informação permite a construção de analíticas robustas e o desenvolvimento de respostas automáticas imediatas ou a hierarquização de decisões que garantam os melhores resultados possíveis. Foi para isso que se fez o COI, foi para isso que se adquiriu a PGIL.
Perante isto, penso que é legítimo o meu receio de que a aquisição de uma nova plataforma pela EMEL represente uma redundância de investimento face a muitas dimensões já hoje disponíveis no PGIL e, pior, uma diminuição do papel do COI enquanto estrutura matriz e central da gestão inteligente da cidade. É também estranho que o investimento de 4,9 M€ proposto pela EMEL represente um encargo público 3 vezes superior ao que se fez com a PGIL, cuja ambição de transversalidade é muito superior. Ou seja, parece que estamos a comprar uma versão moderna do obsoleto e desintegrado sistema Gertrudes.
E isso não é smart.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico