Ferro Rodrigues pediu ajuda, mas terá de decidir sozinho se aceita proposta de revisão constitucional do Chega
Parecer da deputada socialista Isabel Moreira afirma que “não cabe à Assembleia da República, por mais flagrante que seja a inconstitucionalidade de um projecto de revisão, vedá-lo”.
Desta vez, o presidente da Assembleia da República terá de decidir sozinho se aceita ou não que a proposta de revisão constitucional proposta pelo Chega seja admitida para discussão. Depois de ter pedido um parecer sobre a constitucionalidade da proposta à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta prepara-se para responder a Ferro Rodrigues que considera não ser competente para fazer tal análise sobre projectos de revisão constitucional.
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Desta vez, o presidente da Assembleia da República terá de decidir sozinho se aceita ou não que a proposta de revisão constitucional proposta pelo Chega seja admitida para discussão. Depois de ter pedido um parecer sobre a constitucionalidade da proposta à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta prepara-se para responder a Ferro Rodrigues que considera não ser competente para fazer tal análise sobre projectos de revisão constitucional.
Essa é a conclusão do parecer elaborado pela deputada socialista Isabel Moreira, que é também constitucionalista e que tem sido uma voz crítica da postura e das propostas do deputado André Ventura. "A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é competente para emitir pareceres sobre a constitucionalidade de iniciativas legislativas, mas não sobre projectos de revisão constitucional”, escreve a deputada, alegando que o regimento da Assembleia da República não habilita esta comissão a apreciar previamente um projecto de revisão da lei fundamental.
No entanto, se esta é a conclusão, o texto da proposta de parecer a que o PÚBLICO teve acesso vai mais além e deixa até Eduardo Ferro Rodrigues numa posição delicada. Porque se é ao presidente do Parlamento que cabe a decisão de aceitar ou não a admissão e discussão de iniciativas legislativas, neste caso a constitucionalista escreve também que “não cabe à Assembleia da República, por mais flagrante que seja a inconstitucionalidade de um projecto de revisão [da Constituição], vedá-lo por via de uma alegação preventiva de violação da lei fundamental”. Mesmo que, salienta o parecer, estes projectos de revisão possam “padecer de inconstitucionalidades graves”.
A deputada considera que quem pode fazer a análise sobre as propostas de André Ventura e se estas são ou não constitucionais e, por isso, se devem ser admitidas, é a comissão eventual de revisão, que é constituída quando se abre um processo de revisão constitucional.
Portanto, caberá a Ferro Rodrigues decidir sozinho o que fazer com o projecto entregue por André Ventura. Entre as medidas propostas estão a prisão perpétua, a criação da pena de castração química ou física a condenados por crimes de violação ou abuso sexual de menores, a limitação dos cargos de primeiro-ministro e ministro a quem tiver nacionalidade portuguesa originária, a eliminação dos limites materiais da revisão da própria Constituição ou a retirada do termo “república” na referência a Portugal.
No parecer, a socialista Isabel Moreira aproveita para deixar a sua opinião: “Independentemente de ser convicção da relatora que o projecto de revisão em causa contém normas que violam grosseiramente limites materiais de revisão, na medida em descaracterizariam, se aprovadas, o princípio da dignidade da pessoa humana e direitos, liberdades e garantias sem os quais a Constituição deixaria de ser a mesma, a sede para fazer esse tipo de juízos é a de uma comissão eventual de revisão, aquando da justificação do sentido de voto.”
Este parecer será discutido e votado na próxima reunião da comissão, na quarta-feira, dia 7, e depois remetido a Eduardo Ferro Rodrigues. Os pedidos do presidente do Parlamento à primeira comissão para que esta se pronuncie sobre a constitucionalidade de propostas do Chega têm-se sucedido nos últimos tempos e esse facto tem levado os deputados a discutirem se lhes compete considerar se um diploma deve ou não ser admitido ou mesmo se pode ser considerado constitucional. Alguns partidos alegam que a fiscalização da constitucionalidade é uma competência do Tribunal Constitucional e não do Parlamento. Além disso, este sistemático recurso de Ferro Rodrigues é visto como uma forma de responsabilizar a comissão quando a decisão de aceitar ou rejeitar a entrada de um diploma cabe exclusivamente ao presidente da Assembleia da República.
Nesta quarta-feira, a comissão discutiu dois pareceres pedidos por Ferro Rodrigues que consideram inconstitucionais as propostas do Chega para a realização, por proposta do Governo, de um referendo para a redução do número de deputados da Assembleia da República e para a fixação de um tecto máximo de 12 ministérios no executivo.
Telmo Correia (CDS) e José Manuel Pureza (BE) manifestaram-se contra o recurso de Ferro Rodrigues à comissão para que seja esta a analisar se os diplomas respeitam ou não a Constituição, já que o presidente tem autonomia para aceitar ou recusar a entrada de propostas. “Essa consulta, sendo legítima, pode fazer correr o risco de uma contaminação do juízo jurídico por outras considerações, o que seria indesejável”, apontou o bloquista. O centrista defendeu, como em ocasiões anteriores, que a regra geral deve ser a de o Parlamento admitir todos os diplomas e ser o plenário a apreciar o seu conteúdo.