O Ano Hidrológico 2020-2021: preocupação e expetativa
As políticas públicas para a água não têm ocupado o lugar devido na escala de prioridades da agenda política nacional e regional.
Não escondo a preocupação, mas também alguma expetativa, quanto ao futuro da Gestão da Água em Portugal, quando se inicia o Ano Hidrológico 2020-2021, o primeiro de uma década decisiva para o cumprimento de metas essenciais como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 e a Descarbonização da Economia, enquadradas numa coerente Transição Climática integrada no Pacto Ecológico Europeu.
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Não escondo a preocupação, mas também alguma expetativa, quanto ao futuro da Gestão da Água em Portugal, quando se inicia o Ano Hidrológico 2020-2021, o primeiro de uma década decisiva para o cumprimento de metas essenciais como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 e a Descarbonização da Economia, enquadradas numa coerente Transição Climática integrada no Pacto Ecológico Europeu.
Com efeito, as Políticas Públicas para a Água não têm ocupado o lugar devido na escala de prioridades da Agenda Política Nacional e Regional, sendo encaradas, de forma redutora, como uma das componentes de “uma rede nacional de infraestruturas” e não como um fator estruturante do Desenvolvimento Sustentável, através do fomento da Coesão Territorial e Económica do País.
É certo que, a partir de março passado, revelou-se entre nós e por todo o mundo a crise sanitária geradora da pandemia covid-19, que passou a absorver as prioridades de todos os responsáveis das principais instituições nacionais. Porém, a situação de secundarização referida já se tinha instalado.
Esta pandemia demonstrou, contudo, de forma bem nítida, que se a água já era assumida como um recurso essencial “escasso” (ou mesmo “raro”, em inúmeras circunstâncias relacionadas com severas condições de escassez e secas prolongadas), é muito mais do que isso: trata-se de um “recurso vital”, dado que um “simples lavar de mãos” se constitui como um dos procedimentos indispensáveis para evitar a transmissão do virus SARS-CoV-2.
É muito relevante que os serviços de água e saneamento tenham respondido de forma exemplar às situações de emergência, calamidade e contingência, entretanto declaradas, merecendo, por isso, todo o apreço do País por terem mantido, sem interrupções e com elevados níveis de qualidade, o abastecimento de água e a drenagem, tratamento e reutilização das águas residuais.
Este facto recomenda a necessidade do “reforço da resiliência dos sistemas de água e saneamento”, através da adoção e concretização no terreno de um “programa de reabilitação e renovação de infraestruturas” com mais de duas décadas de funcionamento, articulado com a “redução das perdas”, prolongando assim a sua vida útil e aumentando a eficiência do serviço. Estas ações deverão constar como uma das prioridades do PENSAARP 2030 [1], como já foi proposto pela APDA ao Grupo de Trabalho da Secretaria de Estado do Ambiente, encarregado da sua elaboração.
Mas, entretanto, Portugal vem sofrendo, pelo menos desde o terrível ano 2017, sucessivos anos de “seca meteorológica e hidrológica” em praticamente todo o País, com uma particular incidência nos caudais e nas disponibilidade e qualidade das águas nas Bacias Hidrográficas do Tejo, Sado, Guadiana, no Algarve e no Interior Norte e Centro.
As situações dos rios Tejo e Sado têm que ser encaradas sem demora, dada a forte progressão da “cunha salina” em ambos os casos, com significativos reflexos na degradação da qualidade das águas para abastecimento e irrigação de culturas agrícolas importantes para a economia nacional.
Urge agir, no caso do Tejo, para garantir o cumprimento por parte de Espanha dos regimes de caudais constantes da Convenção de Albufeira, e reforçar a capacidade de armazenamento com a construção da Barragem do Alvito no Rio Ocreza.
Quanto à Bacia do Sado, é difícil entender que as transferências de água do Alqueva para a Barragem do Monte da Rocha e Ermidas Sado, com o consequente reforço de caudais no rio, continuem por concretizar-se.
No tocante aos recursos hídricos subterrâneos – reserva estratégica a preservar com o máximo de cuidado –, a confirmarem-se os diversos projetos turísticos e imobiliários de grande densidade anunciados para o litoral alentejano, poderemos estar perante a eminência de regimes de sobre-exploração potenciados pelo aumento da carga antropogénica que se verificará, com as consequências negativas inerentes.
Finalmente, a expectativa quanto às medidas que venham a ser incluidas no “Programa de Recuperação e Resiliência” que o Governo prepara, onde a “Água” consta dos capítulos “Competividade e Coesão Territorial” e “Transição Climática”, numa lógica de garantia de uma maior eficiência hídrica e contributo para suster a desertificação que ameaça uma parte significativa do Sul do País.
[1] PENSAARP 2030 – Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2021-2030
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico