A exposição de todas as Dissonâncias abre finalmente as portas no Museu do Chiado
Adiada durante três meses, exposição mostra a partir de hoje 85 obras de 45 artistas, 74 delas doadas ao museu. Uma “generosidade imensa” que se faz pintura, escultura, fotografia. Até 15 de Novembro.
Chegar a este dia não foi fácil. As obras que hoje vemos nas galerias de Dissonâncias, exposição que é inaugurada esta quarta-feira no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa, estiveram quase três meses nos lugares que hoje ocupam à espera de serem vistas.
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Chegar a este dia não foi fácil. As obras que hoje vemos nas galerias de Dissonâncias, exposição que é inaugurada esta quarta-feira no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa, estiveram quase três meses nos lugares que hoje ocupam à espera de serem vistas.
Avarias de última hora e atrasos da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), entidade que tutela os museus públicos, privaram até agora os visitantes desta exposição que reúne 85 obras de 45 artistas. Obras que, na sua maioria — 74 foram doadas, 11 compradas —, dão provas da “generosidade imensa com que as pessoas têm olhado para o museu, apesar da crise económica e de todas as dificuldades que o país atravessou”, diz Emília Ferreira, directora do MNAC.
Dividida em quatro grandes núcleos, organizados sobretudo cronologicamente, Dissonâncias mostra as obras que chegaram ao museu nos últimos dez anos, preenchendo lacunas do acervo ou robustecendo núcleos já existentes, como o do período modernista (primeira metade do século XX), explica Emília Tavares, conservadora de fotografia do museu, que partilha o comissariado da exposição com Adelaide Ginga, outra das curadoras da casa.
“Não havia aqui matéria que nos permitisse fazer outra organização, mas a cronológica serve perfeitamente o objectivo da exposição — mostrar o que aqui chegou na última década para completar um acervo cuja actualização é problemática em todas as tipologias a partir dos anos 80 e 90 e, em especial, a partir do começo do século XXI”, acrescenta Emília Tavares, alertando também para o défice de representação da fotografia do século XIX, que a doação recente do espólio de Arnaldo Fonseca ajudou a mitigar.
Na exposição podem ver-se alguns dos cerca de 200 positivos de época que a família deste fotógrafo e diplomata confiou ao MNAC (Museu do Chiado), entre os quais se encontram obras de outros autores, como João Francisco Camacho.
“Tínhamos uma lacuna imensa na produção do século XIX”, reconhece a conservadora, lembrando que a fotografia só entrou na colecção do Chiado tardiamente, em 1999, através da obra de Fernando Lemos. “Foram precisos quase 100 anos [o museu é de 1911] para que a fotografia passasse a fazer parte desta colecção e, ainda hoje, tem falhas grandes. Comprar fotografia do século XIX em leilão não é fácil e é por isso que estas doações são tão importantes”, acrescenta, assegurando que o museu está a estudar um outro espólio que já inventariou, o do pintor Veloso Salgado (1864-1945), um acervo que se cruza com a fotografia e onde estão representados autores como Carlos Relvas e Emílio Biel.
Anos difíceis
Dissonâncias não mostra fotografias de Relvas nem de Biel, mas inclui trabalhos de Gérard Castello-Lopes, João Francisco Camacho, Jorge Silva Araújo, José Luís Neto, Augusto Alves da Silva ou José Pedro Cortes (Tatiana Macedo, João Tabarra e a família de Ernesto de Sousa também fizeram doações, mas, por falta de espaço, as suas obras não puderam ser incluídas).
Praticamente toda esta exposição se deve aos artistas, aos seus familiares e herdeiros, aos mecenas e coleccionadores privados que não se esqueceram do Chiado, insiste a directora, Emília Ferreira: “O Estado comprou algumas obras em leilão ou a coleccionadores que durante anos deixaram as peças em depósito no museu para que as usássemos, como a Isabel Vaz Lopes, mas tem muito pouco dinheiro até para atender às necessidades mais básicas. Os privados, por seu lado, têm sido incríveis nestes anos difíceis.”
No núcleo de obras adquiridas com dinheiros públicos, instalado na primeira sala da exposição, estão representados artistas de gerações e linguagens tão diversas como Columbano Bordalo Pinheiro, José Luís Neto, Júlia Ventura e a dupla Sara e André.
Nas salas seguintes, demasiado pequenas para tamanha generosidade, sublinha a directora, é possível encontrar trabalhos de Jorge Pinheiro, Hein Semke, António Olaio, Ana Pérez-Quiroga, Mário Cesariny, Mónica de Miranda, Nuno Calvet, Nuno San Payo, René Bértholo, Rolando Sá Nogueira, João Pedro Vale, Manuel Botelho e André Cepeda, entre muitos outros.
E se a aquisição de obras de Augusto Alves da Silva e de José Luís Neto a Isabel Vaz Lopes é “o epílogo de um depósito de longa duração”, assim o define a comissária Emília Tavares, algumas das doações decorrem do trabalho de investigação e de exposição feito pela equipa do museu.
Artistas como Jorge de Oliveira e Mónica Miranda chegaram ao museu via doação depois de nele terem exposto. “Muitas das obras que foram dadas ao Chiado nestes dez anos decorreram de uma dinâmica de trabalho com os artistas ou do estudo da obra de fotógrafos do século XIX. E isso é bom, por um lado, e mau por outro — um museu nacional devia poder comprar pelo menos uma obra ao artista que expõe no fim da exposição, coisa que propomos sempre e nunca foi aceite pela DGPC. O acervo de um museu como o nosso não pode depender de factores que não são estruturais, tem de ter uma política de aquisições continuada e coerente. E o Chiado nunca teve.”
Se o Estado quer apoiar os artistas, acrescenta Tavares, permita que os museus públicos que mostram a sua obra lhes comprem peças: “Os artistas vivem do seu trabalho. Devíamos poder pagar-lhes um fee [honorários] para prepararem uma exposição para aqui. Tentamos fazê-lo e ajudar na produção da obra, mas nem sempre conseguimos. Só pontualmente, com os Sonae/MNAC Art Cycles, conseguimos dar as devidas condições aos artistas para trabalharem durante um ano.”
Desta vez foram também os privados — Fundação Millennium BCP e Sonae — que se prontificaram a ajudar o Museu do Chiado quando se tornaram públicos os problemas que impediram durante três meses a inauguração desta Dissonâncias.
Conseguido o apoio da DGPC para os resolver, a directora do MNAC vai agora canalizar o mecenato para o programa de exposições que “já tinha perdido a esperança” de concretizar.
Assim sendo, o Chiado vai inaugurar na quinta-feira a exposição com que se associa ao festival Imago Lisboa, dedicada ao fotógrafo norte-americano Todd Hiddo (até 3 de Janeiro); a 7 de Outubro será a vez do arranque da programação do Loops Expanded. Em Novembro abre Rostos e Narrativas. Olhares contemporâneos no século XIX, exposição centrada no retrato e contando com obras dos já referidos espólios de Veloso Salgado e Arnaldo Fonseca. Dezembro fica reservado a De Todo o Povo, um programa em modo pandemia, que quer dar visibilidade ao trabalho desenvolvido por alguns artistas durante os meses de confinamento. Em destaque estará a série de fotografias feita por João Pina no Edifício Copan, em São Paulo, e os desenhos de Vasco Barata.
Dissonâncias manter-se-á aberta tal como está até 15 de Novembro, sendo depois retiradas as obras que, por motivos de conservação, devam regressar às reservas. As restantes ficarão até ao fim do ano exactamente onde a partir de hoje podem ser vistas.