Trabalhadores que se inscrevem no fisco enfrentam entraves no apoio da covid-19
Trabalhadores informais que abriram actividade no fisco em Setembro e indicaram Julho como mês de arranque à espera do apoio da covid-19 são alvo de coima tributária pelo atraso. Precários apontam o dedo à Segurança Social e acusam Governo de “gestão irresponsável”.
Alguns trabalhadores independentes que têm estado à margem do sistema da Segurança Social e que só abriram actividade no fisco neste mês de Setembro à espera do novo apoio à quebra da actividade para as situações de desprotecção social (prestação mensal fixa de 438,81 euros) estão a enfrentar dificuldades no acesso a esta medida excepcional.
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Alguns trabalhadores independentes que têm estado à margem do sistema da Segurança Social e que só abriram actividade no fisco neste mês de Setembro à espera do novo apoio à quebra da actividade para as situações de desprotecção social (prestação mensal fixa de 438,81 euros) estão a enfrentar dificuldades no acesso a esta medida excepcional.
Por um lado, os trabalhadores que deram o início de actividade este mês — a partir do momento em que a Segurança Social abriu o período de candidatura ao novo apoio de 438,81 euros — não conseguem solicitar o valor relativamente aos meses de Julho e Agosto, porque, para isso, seria preciso terem aberto a actividade em Julho.
Por outro lado, os trabalhadores que abriram a actividade agora, mas indicaram ao fisco que a iniciaram em Julho (a pensar que, dessa forma, poderiam solicitar o apoio à Segurança Social) têm de pagar uma coima ao fisco pelo atraso na abertura da actividade, porque, pela lei, esse passo deve ser dado na Autoridade Tributária e Aduaneira mesmo antes do real início da actividade.
O problema foi denunciado nesta terça-feira pela Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, que acusa o Governo e a Segurança Social de não terem avisado atempadamente em Julho que os trabalhadores em situação de desprotecção social deveriam abrir a actividade naquele momento.
Ao PÚBLICO, um animador turístico que foi notificado pelo fisco a pagar uma coima de 75 euros porque abriu a actividade em Setembro, mas indicou Julho como o mês de arranque do seu trabalho — um dos casos que chegou ao conhecimento daquela associação — disse ser uma das situações de trabalhadores informais que até agora não tinha a actividade aberta porque o dinheiro que consegue auferir como animador tem resultado de gratificações. E explica que foi abrir a actividade ao ver que a nova medida de apoio se destinava às situações de desprotecção social e a integrar no sistema da Segurança Social quem estava de fora. Mas ficou surpreso ao ver que, afinal, deveria tê-lo feito em Julho.
O que diz a lei
O Código do IVA estabelece (no artigo 31.º) que os contribuintes que exerçam uma actividade sujeita a este imposto têm de entregar uma declaração de início da actividade “antes de iniciado o exercício da actividade”, tal como o Código do IRS indica (no artigo 112.º) que o trabalhador independente, “antes de iniciar alguma actividade susceptível de produzir rendimentos da categoria B” deve apresentar essa declaração de início de actividade.
No caso exposto ao PÚBLICO por aquele trabalhador, o cidadão foi sancionado com uma coima de 75 euros, num montante reduzido em 25% face ao valor mais baixo previsto no artigo 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para estas situações (coimas entre 300 a 7500 euros), pois não foi levantado auto de notícia nem iniciado um procedimento de inspecção tributária.
A Associação de Combate à Precariedade afirma que “muitas pessoas abriram actividade” agora, mas fizeram referência ao mês de Julho, porque o Instituto da Segurança Social publicou “uma informação tardia e pouco rigorosa” em Setembro ao referir no seu site que “os trabalhadores que pretendam requerer o apoio extraordinário a trabalhadores devem ter actividade aberta como trabalhador independente, na Autoridade Tributária”.
“Depois do enorme atraso na aplicação da medida e de estar ainda em falta a devida regulamentação, foi a informação do Instituto da Segurança Social, dois meses após a entrada em vigor da prestação, que levou os precários a solicitar abertura de actividade com efeitos a um mês anterior, de forma a não perder prestações do apoio”, contesta, dizendo que, como os trabalhadores agiram desta forma, “a AT a considerar que houve um atraso no pedido e a aplicar cegamente” as coimas.
Os valores que o fisco está a aplicar já correspondem a um valor reduzido da coima. O Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) permite que possa “não ser aplicada coima” se, cumulativamente, se verificarem três circunstâncias: se a prática da infracção não resultar num “prejuízo efectivo à receita tributária”, se a falta cometida estiver regularizada e se a falta “revelar um diminuto grau de culpa”.
Para o movimento dos Precários Inflexíveis, deve ser o Governo a resolver esta situação, decidindo a anulação das coimas emitidas pelo fisco e permitindo que os trabalhadores que não conseguiram submeter os apoios relativos a Julho e Agosto o possam fazer.
A associação afirma ainda que, além da aplicação das multas, “muitos destes trabalhadores relatam-nos que já não conseguiram submeter o pedido para o apoio relativo a Julho, dado o prazo curto para fazer o pedido do apoio (uma semana, sem aviso prévio) e o tempo que leva a ser confirmada a reabertura de actividade”.
Para a associação, “todas estas dificuldades são consequência dos atrasos e da gestão irresponsável do Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social em toda a aplicação deste apoio extraordinário. Dois meses após o início previsto para a vigência do apoio, não foi ainda paga qualquer prestação nem foi publicada a portaria que deveria regulamentar a medida, como previsto no artigo da Lei do Orçamento Suplementar que criou o apoio. Estes problemas acrescentam injustiças a um apoio que é insuficiente e inadequado, como afirmámos desde que foi aprovado. Por opção do Governo, exclui muita gente e não responde adequadamente à situação urgente de quem está a sofrer duplamente os efeitos da precariedade mais extrema, com a perda de rendimentos e com a desprotecção social”.