O País Basco em tempos de ETA: eis Pátria, nova série da HBO
Baseada no romance do mesmo nome, Pátria é uma história de duas famílias em lados opostos da barricada que é também um retrato do País Basco pós-abandono da luta armada da ETA. Mas esta é mais uma história de “perdão e sobrevivência” que de guerra, frisa o argumentista Aitor Gabilondo.
A história começa em 2016, quando Aitor Gabilondo lê na Internet uma crítica do novo romance do escritor Fernando Aramburu, ainda não publicado. Intrigado, o argumentista entra em contacto com a editora, que lhe envia, “em PDF”, uma cópia promocional do livro. O romance era o best-seller Pátria, uma história de duas famílias em lados opostos da barricada que é um também um retrato do País Basco pós-abandono da luta armada da organização nacionalista ETA. Quatro anos depois, eis Pátria, série que toma o livro como inspiração e cujos dois primeiros episódios se estreiam mundialmente este domingo, 27 de Setembro, na HBO.
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A história começa em 2016, quando Aitor Gabilondo lê na Internet uma crítica do novo romance do escritor Fernando Aramburu, ainda não publicado. Intrigado, o argumentista entra em contacto com a editora, que lhe envia, “em PDF”, uma cópia promocional do livro. O romance era o best-seller Pátria, uma história de duas famílias em lados opostos da barricada que é um também um retrato do País Basco pós-abandono da luta armada da organização nacionalista ETA. Quatro anos depois, eis Pátria, série que toma o livro como inspiração e cujos dois primeiros episódios se estreiam mundialmente este domingo, 27 de Setembro, na HBO.
Há pouco mais de dois anos, à conversa com o PÚBLICO, Fernando Aramburu, que nasceu na cidade basca de San Sebastián em 1959 e vive na Alemanha há mais de 30 anos, dizia que o tempo passado no estrangeiro havia dado ao autor a capacidade de olhar para a realidade do País Basco — que, na luta pela independência, viveu décadas de conflitos armados, que começaram a cessar apenas em 2011 — “como quem olha de longe para uma partida de xadrez, observando ambos os jogadores com a mesma distância”. Similarmente, Aitor Gabilondo tem muitos dias em que se sente “como um agente duplo”, “saltando de uma dor para a outra”.
“Tenho familiares que são jornalistas e que, a dada altura, nos anos 2000, chegaram a ser ‘alvos’ da ETA. Não podiam caminhar pelas ruas sem guarda-costas... Por outro lado, também conheci muitos amigos na escola e na faculdade que, mais tarde, acabaram por criar uma ligação com o grupo separatista. Isto não diz respeito só à minha experiência pessoal: toda a gente no País Basco teve, durante muito tempo, pessoas e sensibilidades dos dois lados do espectro”, partilha o guionista, também ele natural de San Sebastián.
No ecrã, como no papel, somos confrontados com cada um desses lados. No dia em que a ETA anuncia a intenção de se livrar das armas, Bittori desloca-se até ao cemitério e visita a campa do seu marido, Txato, morto pela organização separatista, para lhe dizer que vai fazer as malas e voltar à cidade onde o casal passou a vida quase toda. Este regresso — por muito que Bittori tente manter um registo discreto e não levantar ondas — rapidamente faz desaparecer o “falso ambiente de tranquilidade” que aquela vila parecia respirar, beliscando fundamentalmente a vizinha Miren, que no passado já foi uma amiga próxima e cujo filho, Joxe Mari, está preso.
Pontualmente, Joxe Mari (que está associado à ETA e de quem Bittori desconfia ter sido o assassino de Txato) vai desbloqueando uma parte significativa do enredo, dando conta das cicatrizes de uma comunidade que cresceu sob um manto de tensão e silêncio. Silêncio (ou talvez até silenciamento) não é uma palavra inocente, conta Aitor Gabilondo ao PÚBLICO. “Nos anos 80, quando ainda era um adolescente, ninguém falava com os miúdos sobre o que estava a acontecer. E é claro que isso só alimentava ainda mais a minha curiosidade. Por que é que ninguém dizia nada sobre os ataques que víamos na televisão, sobre as investidas que às vezes testemunhávamos nas próprias ruas? De certa forma, tínhamos de investigar sozinhos e de adivinhar os motivos por detrás do rasto de destruição com que éramos obrigados a contactar”, assinala.
Foi em parte essa curiosidade que fez o argumentista querer explorar “os dois lados da moeda”, mostrando não só o luto e a solidão de uma mulher que perdeu o companheiro de forma trágica, mas expondo igualmente os dilemas daqueles que não conseguem simplesmente desfazer os laços emocionais que os unem a pessoas que, com o passar do tempo, se tornaram militantes da ETA.
“É claro que o conflito basco está sempre presente, mas a série é, mais do que uma história de guerra, uma história de perdão e sobrevivência”, frisa Gabilondo, que lança um olhar “empático” tanto sobre Miren (personagem interpretada pela actriz Ane Gabarain) — que, apesar das acusações que mantêm Joxe Mari na prisão, não se demite do seu papel de mãe — como sobre Bittori (Elena Irureta), que não sabe até que ponto consegue ressuscitar uma amizade estilhaçada de um modo tão avassalador.
A série é uma produção da Alea Media e, depois da estreia com episódio duplo, a HBO transmitirá um novo capítulo por semana. No início de Setembro, a Dom Quixote reeditou o romance de Aramburu, que a editora descreveu em comunicado de imprensa como “o Guerra e Paz espanhol”.