“Chorar não nos torna mais fracos”: das lágrimas, Mariana, a Miserável fez um livro

Em entrevista ao P3, Mariana fala sobre ser a Miserável, transpor a realidade para o papel e aceitar a queda das lágrimas. Este sábado, 26 de Setembro, é lançado, na Ó! Galeria no Porto, o seu primeiro livro: Meninos das lágrimas.

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Inês Moura Pinto

De exposições individuais a colectivaspinturas de murais e até “sebentas de quarentena”, Mariana, a Miserável completou o verdadeiro desafio: pegar nas lágrimas e na tristeza e fazer delas um livro. Meninos das lágrimas é a primeira obra de ilustração publicada por Mariana Santos. O lançamento da Editora Número acontece este sábado, 26 de Setembro, na Ó! Galeria, no Porto, pelas 16h30. 

Meninos das lágrimas não tem texto, mas quer desconstruir estigmas e passar uma mensagem, homóloga a todos os seus trabalhos: “É ok estar triste, é ok ser miserável ou vulnerável; chorar não nos torna mais fracos, é apenas uma reacção humana como todas as outras.” Trata-se de uma colecção de ilustrações “muito complicada de fazer”, sendo que os primeiros desenhos foram feitos já em 2017. “[É quase] um resumo destes dez anos em que ando aqui a fazer desenhos”, conta. Começou apenas como “uma série de desenhos de pessoas a chorar”, homónima, e mais tarde evoluiu para o que viria a ser o primeiro livro publicado de Mariana.

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Mariana com o livro Inês Moura Pinto

O título da obra, Mariana já o sabia desde o início. Tem como referência o quadro d' O Menino da lágrima, segundo Mariana “presente nas casas das nossas tias e avós dos anos 90”. A razão é o facto de “ser tão natural termos uma pessoa a chorar na parede da sala e termos almoços de família em frente a esse quadro”. Isto quando não se falava abertamente do assunto.

Com o imediatismo dos tempos modernos, a ilustradora acredita que não nos permitimos o tempo para um “auto-exame emocional” e para “haver mais aceitação dessa vulnerabilidade que é tão normal”. Na infelicidade, Mariana consegue “encontrar beleza”. “Eu não estou a exigir às pessoas que estejam tristes, só estou a dizer que é uma coisa natural e que, às vezes, acontece.”

Queria ser florista quando era pequena, conta a biografia, mas cresceu e tornou-se Mariana, a Miserável, uma ilustradora do real imperfeito. A artista de 34 anos, natural de Leiria, é conhecida pelos desenhos que são uma ode à honestidade, com um toque de sarcasmo e humor, para os quais usa os desgostos da vida como inspiração. Quando questionada sobre a distinção entre a própria e o alter-ego artístico, admite que costuma dar “sempre respostas diferentes”. Desta vez, “com o passar dos anos”, conclui que existe uma relação simbiótica: “Não dá para falar do meu trabalho sem falar de mim, não dá para separar as duas coisas. Portanto, sim, acabamos por ser a mesma pessoa.”

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Inês Moura Pinto

Embora faça uso da realidade como inspiração, “nem tudo é autobiográfico”. As referências para as ilustrações surgem “muito de acasos”, daquilo que vê, ouve ou lê. “Não é sobre mim, mas acaba por ser de coisas que encontro no caminho”, explica. Nem sempre é miserável e ri quando lhe dizem que “é uma fraude por estar feliz”, mas o estado de espírito não afecta a arte. “A minha visão acaba por ser a mesma. Não acho que tenha que estar miserável para ser [a] Miserável”, reflecte.

Face à instabilidade profissional da área, partilha que a insegurança “não é muito compatível” com o estímulo da criatividade. “É muito difícil criar quando estamos com preocupações dessas, mas ao mesmo tempo vivemos nas condições em que vivemos e a nossa geração teve que se adaptar, principalmente nas áreas criativas”, prossegue. Considera-se sortuda por ter trabalho na área e conseguir viver daquilo que gosta de fazer, nos tempos instáveis que correm. “Não posso estar em casa sentada à espera que a musa inspiradora venha ter comigo, ando a caçar a musa inspiradora enquanto pago as minhas contas.”

Tem como assinatura traços imperfeitos que, quando combinados, resultam em imagens grotescas: é a definição pessoal de beleza da Miserável. Contudo, desenhar assim não é uma preocupação da ilustradora: “Isso acompanha-me e, depois, as outras pessoas é que descrevem o meu trabalho. Eu faço aquilo que faço de forma natural.” Apesar de expor a vulnerabilidade humana ao falar de assuntos “tão privados”, Mariana garante que “há muita gente que se identifica” com o seu trabalho. 

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Inês Moura Pinto

Meninos das Lágrimas está disponível para compra a partir deste sábado, na Editora Número, e todos os desenhos originais estarão em exposição na Ó! Galeria até 14 de Outubro.

Texto editado por Ana Maria Henriques