Porque falham as nações com turmas numerosas

Se o ensino tivesse representação institucional inclusiva, era difícil avançar com propostas destinadas ao insucesso, havendo soluções estruturais, exequíveis e sustentadas para o problema.

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Paulo Pimenta

O ensaio Porque Falham as Nações, de Daron Acemoglu e James Robinson, conclui sobre a história universal dos últimos três milénios: as nações não falham por causa da geografia, da cultura ou da ignorância, mas pela incapacidade em transformar políticas, instituições e empresas extractivas (que acumulam a riqueza em “elites” e oligarquias) em inclusivas (que distribuem a riqueza e diminuem as desigualdades). E sublinha que só a consolidação do modelo inclusivo durante décadas é que se repercute positivamente no crescimento económico, nas empresas, na cultura e na escolarização.

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O ensaio Porque Falham as Nações, de Daron Acemoglu e James Robinson, conclui sobre a história universal dos últimos três milénios: as nações não falham por causa da geografia, da cultura ou da ignorância, mas pela incapacidade em transformar políticas, instituições e empresas extractivas (que acumulam a riqueza em “elites” e oligarquias) em inclusivas (que distribuem a riqueza e diminuem as desigualdades). E sublinha que só a consolidação do modelo inclusivo durante décadas é que se repercute positivamente no crescimento económico, nas empresas, na cultura e na escolarização.

O Congo, que tem abundantes riquezas naturais, permanece há séculos nos lugares cimeiros dos países pobres porque vive subjugado à extracção. Mobutu é o exemplo recente. E é curioso: foram os portugueses que deram a conhecer a escrita aos congoleses, no século XVI, mas em pleno século XXI a nação de Camões e Pessoa ainda não erradicou o abandono escolar precoce nem a pobreza do seu território. O facto também se deve a “elites” extractivas. Foi assim com a escravatura, com o ouro, com as especiarias, com o colonialismo e com a recente crise de empresas parasitárias associadas ao sistema bancário, que resultou no desinvestimento nos últimos 15 anos em estruturas como a escola pública, depois de duas ou três décadas promissoras (sublinhe-se que os resultados em educação surgem duas décadas depois).

O excesso de alunos por turma é um indicador extractivo que a pandemia radiografa. E, nem por acaso, o parlamento reprovou, em Junho, a inclusiva redução de alunos por turma (é preferível uma lei que estabeleça turmas de 20 com excepções por inexequibilidade, do que turmas de 30 com as mesmas excepções). Foi Nuno Crato quem decretou o aumento das turmas e a extracção resiste a tudo: fim da troika, geringonça, superavit e pandemia. Explicou a sentença em 15 de Junho de 2013: “Uma turma com 30 alunos pode trabalhar melhor do que uma com 15. Depende do professor e da sua qualidade.” O ex-ministro contrariou o sistema inclusivo relatado por William Golding, Nobel da literatura em 1983 e professor no 1º ciclo durante três décadas, numa entrevista à RTP2 nesse ano: “Com 30 alunos não há método de ensino que resulte, mas com 10 alunos todos os métodos podem ser eficazes.”

A epifania de Crato tornou-se imutável e não apenas por pragmatismo. É aconselhada e considerada madura por “gurus” da inclusão escolar, uma área muito prejudicada com as turmas numerosas. A educação tem este azar com políticas extractivas, suportadas por “gurus”, que a representação institucional não consegue transformar em inclusivas. Na educação até existem associações científicas de professores nas mais diversas áreas, só que não são ouvidas; também por culpa própria. E há 16 sindicatos.

Noutro exemplo da mesma família que explica a prevalência extractiva, os governos de Sócrates, e também de Barroso, impuseram um elenco de medidas reprovadas por todos, mas que continua vigente. Destacam-se: avaliação de profissionais assente numa burocracia impessoal que saturou os exercícios, sistemas de avaliação de alunos “amigos” da exclusão da educação especial ou daqueles de quem se espera fracos resultados académicos, e modelo extractivo de gestão das escolas públicas.

Até se criam instituições para alargar a representatividade, só que rapidamente passam a ilusões. Transformam-se em câmaras de eco mediático de quem governa. É assim nas nações que falham. Nesta fase, salientam-se as diligentes organizações de dirigentes escolares (é um exercício temporário que representa 0,8% dos professores e que, pasme-se, já vai em três espécies de associações) e de encarregados de educação. Têm a palavra mediática ajustada sobre tudo o que é didáctico, científico e organizacional. Para se perceber melhor, e pensando na actualidade, é como se na saúde, e quando se mediatizam actos médicos, infecções e epidemias, não se ouvissem especialistas, ordens e sindicatos, mas o dirigente hospitalar e o profissional dos utentes e amigos dos hospitais.

Acima de tudo, se o ensino tivesse representação institucional inclusiva, era difícil avançar com propostas destinadas ao insucesso, havendo soluções estruturais, exequíveis e sustentadas para o problema. A redução de alunos por turma foi reprovada no parlamento, mas os papéis partidários satisfizeram os desígnios populares e anularam um imperativo que é um indicador inclusivo para o sucesso das nações a médio e longo prazo, e uma componente crítica decisiva em tempos de pandemia.