Covid-19: 10% dos doentes graves produzem anticorpos que boicotam resposta imunitária
Estudos publicados esta semana na Science identificaram um conjunto de alterações que terão uma influência significativa no mau prognóstico da infecção
Existem seguramente outros factores, mas os cientistas parecem ter já encontrado mais um dos motivos que pode explicar o facto de alguns doentes com covid-19 manifestarem sintomas mais graves da doença. Num artigo publicado esta semana na revista Science, uma equipa de investigadores refere que encontrou variantes genéticas que estão associadas à produção de um certo tipo de anticorpos que comprometem a resposta imunitária à infecção em 10% dos doentes graves. Outro estudo na mesma revista também demonstra que há certas alterações genéticas ligadas a uma molécula específica que podem explicar 3,5% dos casos mais graves de covid-19.
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Existem seguramente outros factores, mas os cientistas parecem ter já encontrado mais um dos motivos que pode explicar o facto de alguns doentes com covid-19 manifestarem sintomas mais graves da doença. Num artigo publicado esta semana na revista Science, uma equipa de investigadores refere que encontrou variantes genéticas que estão associadas à produção de um certo tipo de anticorpos que comprometem a resposta imunitária à infecção em 10% dos doentes graves. Outro estudo na mesma revista também demonstra que há certas alterações genéticas ligadas a uma molécula específica que podem explicar 3,5% dos casos mais graves de covid-19.
Além dos factores que já tinham sido identificados como ser mais velho e ter patologias associadas, os cientistas perceberam agora que há algumas alterações genéticas que são partilhadas por estes doentes com manifestações mais severas e que parecem “boicotar” a resposta do sistema imunitário, agravando ainda mais o estado destas pessoas. “O resultado clínico após a infecção com SARS-CoV-2 varia desde uma infecção silenciosa até uma covid-19 letal”, constatam os autores de um dos artigos que identifica mais um factor de risco para uma manifestação grave da covid-19. Um dos estudos envolveu 659 doentes com pneumonia e em risco de vida por causa da covid-19 e 534 doentes assintomáticos e procurou mutações em genes que estão associados à resposta do sistema imunitário ao vírus da gripe.
Ao testar algumas das variantes raras em 13 loci (lugares fixos num cromossoma onde está situado determinado gene ou marcador genético), os cientistas identificaram mutações em 23 pacientes (3,5%), com idades entre os 17 e 77 anos. “Mostramos que os fibroblastos humanos com mutações que afectam esta via são vulneráveis ao SARS-CoV-2”, escrevem, concluindo que estes “erros inatos de imunidade” podem ser “a base da pneumonia covid-19 com risco de vida em doentes sem infecção grave prévia”. Os autores notam que este “defeito” genético afecta maioritariamente os homens, o que é surpreendente tendo em conta que as doenças auto-imunes afectam mais as mulheres. O
Outro estudo publicado na mesma revista pelo mesmo consórcio internacional de cientistas começa como o mesmo aviso sobre as diferentes manifestações da doença: “A variabilidade clínica interindividual no curso da infecção por SARS-CoV-2 é imensa”, insistem os investigadores. Neste caso, os investigadores referem “que pelo menos 101 de 987 pacientes com pneumonia covid-19 com risco de vida” tinham um determinado tipo de anticorpos que anula o efeito de uma molécula que tem a função de lançar um alerta quando o organismo é invadido por um vírus”.
E mais: estes anticorpos específicos não foram encontrados em 663 indivíduos com infecção assintomática ou leve por SARS-CoV-2 e estavam presentes em apenas 4 de 1.227 indivíduos saudáveis envolvidos neste trabalho. No grupo dos 101 doentes, entre os 25 e os 87 anos, que produzem estes anticorpos que boicotam a defesa do organismo 95 eram homens. Ou seja, os autores notam que este “defeito” genético afecta maioritariamente os homens, o que é surpreendente tendo em conta que as doenças auto-imunes afectam mais as mulheres.
“Esta descoberta mudará o tratamento de alguns pacientes”, explica Carlos Rodríguez-Gallego, imunologista do Hospital Universitário de Gran Canaria Doutor Negrín e co-autor dos estudos, citado numa notícia do El País. O investigador adianta ainda ao mesmo jornal que a equipa “já está estudar como realizar ensaios clínicos para identificar doentes que produzam estes anticorpos e talvez tratá-los com outros tipos de anticorpos para neutralizar o problema”.
É claro que podem existir muitos outros “defeitos genéticos” que podem estar associados a uma maior gravidade na manifestação da covid-19. Aliás, este é um dos principais objectivos do consórcio internacional COVID Human Genetic Effort que além de querer identificar o que pode estar a falhar na resposta dos doentes que ficam seriamente ameaçadas por esta infecção quer também procurar as alterações que parecem tornar certos indivíduos resistentes a esta infecção. Ou seja, procurar conhecer as nossas forças e fraquezas em mecanismo moleculares, celulares e imunológicos para combater este vírus de forma mais eficaz.