Marlene Monteiro Freitas intoxica-nos mais uma vez
Mal — Embriaguez Divina, que por estes dias se mostra na Culturgest e que em Outubro será, no Teatro Municipal do Porto, a cereja no topo de dez dias de programação dedicada a Marlene Monteiro Freitas, é a nova peça da coreógrafa que em 2018 ganhou o Leão de Prata de Veneza. Poderosa articulação do que talvez não seja articulável a não ser na sua prodigiosa cabeça (Georges Bataille e Mahmoud Darwish, O Lago dos Cisnes e Jesus Christ Superstar, tudo debaixo da nuvem negra do conflito israelo-palestiniano…) é mais um salto em frente numa obra fulgurante que ainda não festejámos suficientemente.
Vão-se passando os anos e Marlene Monteiro Freitas ainda não está convencida de que testemunhar sobre os espectáculos que dão cada vez mais cabeça e cada vez mais corpo ao seu prodigioso mundo coreográfico seja assim tão útil para que quem está de fora possa desbravá-los. É verdade que tudo o que disser acabará por ser usado não a favor, mas contra eles: contra a inclinação natural que têm, porque é a inclinação natural dela (cabeça e corpo nem sempre compatíveis um com o outro, como nas criaturas metade animal, metade homem das mitologias, mas sempre dispostos à próxima mise en abyme), para a proliferação e para o excesso, para o paradoxo e para o contágio, para a metamorfose e para a reencarnação, para tudo e para o seu contrário.