Construção do porto de Macuse pode fazer avançar fábrica da Portucel em Moçambique
A construção do porto de águas profundas de Macuse e da linha férrea entre Moatize e Sopinho, que arrancam no primeiro trimestre de 2021, pode dar o impulso final à construção de uma fábrica de estilha da Portucel em Moçambique. A papeleira portuguesa já plantou 13.500 hectares de eucalipto no país. A segunda fase do investimento inclui unidade industrial de pasta de papel.
O presidente do Corredor de Desenvolvimento da Zambézia (Codiza), Abdul Carimo Isá, confirmou a 10 de Julho último, à saída de um encontro com agentes económicos em Quelimane, que a construção do porto de águas profundas de Macuse e da linha férrea entre Moatize, em Tete, até Sopinho na Zambézia, no centro de Moçambique, numa extensão de 500 quilómetros, é mesmo para avançar.
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O presidente do Corredor de Desenvolvimento da Zambézia (Codiza), Abdul Carimo Isá, confirmou a 10 de Julho último, à saída de um encontro com agentes económicos em Quelimane, que a construção do porto de águas profundas de Macuse e da linha férrea entre Moatize, em Tete, até Sopinho na Zambézia, no centro de Moçambique, numa extensão de 500 quilómetros, é mesmo para avançar.
Vai iniciar-se “no primeiro trimestre do próximo ano”, é sobretudo considerado “de importância vital para a logística do sector mineiro” e representa um investimento total que ascende a 2.700 milhões de dólares (mais de 2.200 milhões de euros). O governador da província da Zambézia, Pio Matos, citado pelo jornal O País, assegurou em finais de Agosto que “a infra-estrutura ficará concluída ainda neste quinquénio”.
Esse era o impulso que faltava à Portucel Moçambique para avançar com a calendarização da construção de uma unidade industrial de transformação de madeira naquele território. Um país onde já plantou 13.500 hectares de eucalipto, num investimento de “mais de 120 milhões de dólares [101 milhões de euros]”, que envolve “550 fornecedores locais” e “7.000 famílias em 120 comunidades”. Só em 2019, a empresa investiu no projecto “6 milhões de dólares [5 milhões de euros]”.
Ao PÚBLICO, fonte oficial do grupo The Navigator Company, de que a Portucel Moçambique é subsidiária, confirma que “as infra-estruturas logísticas, incluindo o porto de Macuse, integram as condições precedentes do MoU [memorando de entendimento assinado em 2018] cuja negociação com o governo de Moçambique foi dada a conhecer publicamente”. E assume, “Logo que cumpridas as condições precedentes, estaremos em condições de decidir sobre a data de arranque da primeira fase do projecto (estilha)”.
O grupo português viu, aliás, em “recentes declarações públicas” do ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural do governo de Moçambique, Celso Correia, o reconhecimento da “importância estratégica da construção do porto de Macuse para o país e para a Zambézia”, nomeadamente para o “desenvolvimento da agricultura e das florestas comerciais”.
Unidade de produção de estilha
O memorando firmado entre a Portucel Moçambique – Sociedade de Desenvolvimento Florestal e Industrial, SA e o governo de Moçambique é claro. Foi assinado a 9 de Julho de 2018 com o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, e prevê os termos da reformulação do projecto de investimento português naquele país, que passará a desenvolver-se em duas fases.
“Numa primeira fase, será criada uma base florestal de cerca de 40 mil hectares, que garantirá o abastecimento de uma unidade (a construir) de produção de estilha [lasca] de madeira de eucalipto para exportação de cerca de um milhão de toneladas por ano”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.
“Os resultados a alcançar nesta primeira fase com a construção de uma fábrica de estilha, assim como a reavaliação das circunstâncias de mercado, serão essenciais para a Portucel Moçambique validar as condições necessárias para prosseguir com o plano florestal de larga escala associado ao projecto industrial da segunda fase”, prevê ainda o memorando.
Essa segunda fase inclui a “plantação de mais 120 mil hectares de floresta e a construção de uma fábrica de pasta [de papel] com uma capacidade de produção de cerca de 1,5 milhões de toneladas anuais”.
Importações de madeira rondam 250 milhões por ano
Em Portugal, de acordo com a The Navigator Company, “a produção florestal de eucalipto não tem acompanhado o aumento internacional da procura pelos seus produtos e consequente crescimento da indústria”.
O grupo é o maior produtor europeu, e o quinto a nível mundial, de pasta branqueada de eucalipto BEKP (Bleached Eucalyptus Kraft Pulp), terceiro maior exportador nacional (exporta cerca de 91% dos seus produtos para 130 países dos cinco continentes) e líder europeu na produção de papéis finos de impressão e escrita não-revestidos. Detém uma capacidade instalada de cerca de 1,6 milhões de toneladas de papel, 1,5 milhões de toneladas de pasta (80% integradas em papel) e 130 mil toneladas de tissue.
A Navigator, que tem como CEO António Redondo, registou um volume de negócios de 1688 milhões de euros em 2019. No primeiro semestre de 2020, as vendas totais ascenderam aos 695,5 milhões de euros (menos 18,6% face ao semestre homólogo de 2019). Os lucros de Janeiro a Junho atingiram os 44 milhões de euros (menos 53,6% face ao período homólogo anterior).
Ao PÚBLICO, fonte oficial da empresa revela que, fruto desse constrangimento no acesso à matéria-prima, as importações de madeira rondam os “250 milhões de euros por ano”.
Apesar de Portugal apresentar “condições naturais para criar uma matéria-prima única e diferenciada (o eucalipto português globulus)”, considerada “mundialmente a melhor espécie para produção de pastas papeleiras”, a Navigator vai buscar “madeira de várias espécies de eucalipto de qualidade inferior sobretudo da América Latina”.
Também por isso, a Portucel Moçambique, subsidiária do grupo português, detida pela The Navigator Company e com uma participação da International Finance Corporation (IFC), membro do Banco Mundial, decidiu avançar com um projecto de base florestal naquele país africano de expressão portuguesa.
Gerar mais de 8000 postos de trabalho
A companhia identificou ali a oportunidade para “um investimento de longo prazo” estimado em 2.500 milhões de dólares (mais de 2 mil milhões de euros), a realizar nas já referidas “duas fases”.
A estimativa de exportações anuais, na primeira fase, é de “100 milhões de dólares e, na segunda fase, de mil milhões de dólares”, adianta a empresa. Também na primeira fase se prevê que sejam gerados “mais de 2000 empregos e, na segunda fase, mais de 8000 postos de trabalho”.
Em causa está o que Navigator classifica como “os maiores e mais modernos viveiros de África, que inaugurou em 2015 e nos quais já plantou “milhares de hectares de áreas florestais experimentais”. Tudo com o objectivo de “avaliar a adequação das melhores espécies às condições edafoclimáticas”.
Trata-se de “um processo longo de tempo, tendo em conta o ciclo de crescimento em torno dos sete anos”, mas que é considerado “fundamental para garantir o sucesso do programa de fomento florestal, em parceria com o governo moçambicano”.
A Portucel Moçambique garante que teve “um papel activo” na construção desse programa, tendo “desenvolvido diversos apoios tais como a definição do modelo de silvicultura, o fornecimento de plantas clonais a preço bonificado e acesso a insumos”. O que está previsto é que a subsidiária da Navigator, na altura da colheita, tenha “opção de compra da madeira”, diz fonte oficial da empresa.
Este projecto “envolve dezenas de produtores florestais locais, que asseguram uma fonte de rendimento adicional estável no âmbito da sua actividade de produção agrícola e florestal”, privilegiando “plantações florestais comerciais sustentáveis de pequena e média escala e a restauração de áreas degradadas”.
Ao nível dos recursos humanos, a Portucel já emprega, em permanência, “200 pessoas” em Moçambique (3280 colaboradores em Portugal). A essas, acrescem “os trabalhadores ocasionais”.
O foco, garante a Navigator, assenta em três objectivos: “segurança alimentar, apoio à geração de rendimento e melhoria do bem-estar”. A empresa sublinha que “a oferta de sementes melhoradas, a construção de silos e poços, a entrega de painéis solares e a dádiva de casais de cabritos para criação têm contribuído muito positivamente para a melhoria das condições de saúde das populações”.