Um enxovalho ao primeiro-ministro
Vejam bem: um presidente de um clube a braços com várias suspeitas judiciais e embrulhado nos calotes ao BES recusou a “honra” que o primeiro-ministro lhe concedera em apoiá-lo.
Na sequência de “uma das campanhas mais hipócritas e demagógicas” que Luís Filipe Vieira guarda na memória, surgiu a decisão: a sua honra dispensa a presença de políticos na comissão que a devia exaltar. De uma penada, o presidente do Benfica tentou travar o prolongamento do “clima difamatório” que o caso gerou e, subliminarmente, resolver um problema ao primeiro-ministro (e a outros políticos).
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Na sequência de “uma das campanhas mais hipócritas e demagógicas” que Luís Filipe Vieira guarda na memória, surgiu a decisão: a sua honra dispensa a presença de políticos na comissão que a devia exaltar. De uma penada, o presidente do Benfica tentou travar o prolongamento do “clima difamatório” que o caso gerou e, subliminarmente, resolver um problema ao primeiro-ministro (e a outros políticos).
Foi pior a emenda do que o soneto, não tanto para ele, mas principalmente para os que foram afastados da comissão. É preciso um agudo exercício de memória para nos recordarmos de um enxovalho tão gritante à dignidade institucional de um chefe do Governo da República como este. Vejam bem: um presidente de um clube a braços com várias suspeitas judiciais e embrulhado nos calotes ao BES recusou a “honra” que o primeiro-ministro lhe concedera em apoiá-lo.
O episódio vale o que vale na torrente de acontecimentos que vivemos, mas a sua carga simbólica tem um efeito preocupante para a qualidade da vida pública e para a imagem que os cidadãos têm sobre quem os governa. António Costa, já o escrevemos duas vezes neste espaço, cometeu um erro crasso ao aceitar integrar a comissão de honra de um candidato associado pela Justiça a casos graves como a Operação Lex.
Quem exerce cargos públicos de alta responsabilidade não deve trilhar caminhos sinuosos como os do futebol, sejam Rui Moreira ou Manuel Pizarro no FC Porto, sejam Fernando Medina e António Costa no Benfica. Perante o natural clamor público que esse gesto gerou, tinha apenas uma solução: sair pelo seu próprio pé. Não o fez e deixou que o presidente do Benfica o queimasse com uma expulsão.
Quando em causa está uma degradação de estatuto deste nível, sai mal o autor da malfeitoria e sai mal a sua vítima – ao contrário de muitas suspeitas, parece inverosímil que tenha sido o primeiro-ministro a pedir o afastamento, pois, se assim fosse, teria anunciado esse pedido previamente. E, como essa vítima é o primeiro-ministro de Portugal, a malfeitoria repercute-se em todos.
Goste-se ou não de António Costa, ele é a pessoa que os cidadãos escolheram para governar. E é exactamente nesta dimensão que se deve situar o problema. O episódio é degradante para a democracia.
Depois da justificação pífia de que na comissão de honra estava o cidadão e não o primeiro-ministro, depois do óbvio desconforto do Presidente da República ou de correligionários do partido, deixou de haver uma boa porta para sair. Ninguém pensaria, no entanto, no impensável: António Costa ser retirado da comissão de honra de Luís Filipe Vieira por Luís Filipe Vieira só parecia ser possível nas páginas do Inimigo Público.