O Fundão a recordar-nos as raízes de Amália, num livro com capa de Álvaro Siza

Um livro que pretende “iluminar com novas luzes a raiz ou raízes que sustentavam e alimentavam” a personalidade e o canto de Amália.

Enquanto Lisboa se prepara para celebrar a obra e a longa vida de Joel Pina, 100 anos feitos em Fevereiro e beirão de nascimento, o Jornal do Fundão (JF) editou em plena pandemia um livro destinado a celebrar as raízes também beirãs de Amália Rodrigues (1920-1999), cantora de projecção universal com quem Joel Pina tocou durante 29 anos, de 1966 até 1994.

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Enquanto Lisboa se prepara para celebrar a obra e a longa vida de Joel Pina, 100 anos feitos em Fevereiro e beirão de nascimento, o Jornal do Fundão (JF) editou em plena pandemia um livro destinado a celebrar as raízes também beirãs de Amália Rodrigues (1920-1999), cantora de projecção universal com quem Joel Pina tocou durante 29 anos, de 1966 até 1994.

E se ele nasceu em Idanha-a-Nova, Castelo Branco, é neste mesmo distrito que Amália tem raízes até à quinta geração (1773), como se recorda agora no livro Amália, a Raiz e a Voz, com coordenação do ensaísta Arnaldo Saraiva e um desenho original de Álvaro Siza na capa, sintetizando o perfil de Amália num esboço telúrico. Por aqui passam histórias, muitas, dos encontros e desencontros de Amália com o Fundão, citadas em depoimentos ou entrevistas, ainda que reconhecendo o seu nascimento lisboeta. O registo do baptismo de Amália na igreja matriz do Fundão, em 6 de Julho de 1921, reproduzido no livro, não ilude: lá se escreveu que Amália, filha de Albertino Rodrigues e Lucinda da Piedade, nascera “na freguezia da Pena em Lisboa às cinco horas do dia vinte e três do mês de Julho do anno de mil novecentos e vinte”. Porquê em Lisboa? Porque os pais, ele nascido em Castelo Branco e ela em Souto da Casa, tentaram ali a sorte, instalando-se provisoriamente na casa dos avós maternos de Amália (ambos naturais do Fundão, ele de Souto da Casa e ela de Alcaria), na Rua Martim Vaz, na freguesia da Pena, onde Amália nasceu. Um ano depois, os pais vão ao Fundão baptizá-la.

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Amália na Electro Gardunha (1950) e capa do livro com desenho inédito de Álvaro Siza JORNAL DO FUNDÃO

“Eu não tenho sangue que não seja da Beira Baixa”, disse Amália ao correspondente do JF em Paris, em 1992. Três anos antes, em 1989, António Paulouro, fundador e então director do JF, citou num texto seu uma outra frase dita por Amália ao mesmo correspondente em Paris: “Devo o meu êxito a ter levado para o fado de Lisboa a toada da Beira.” O “puxar de galões” é justificado por várias declarações de Amália. Noutra entrevista ao JF, ela disse: “O Fundão é uma conversa de todos os dias. Quando os meus tios e avós eram vivos e havia aquela família toda, isso é que era falar do Fundão! (…) Sempre tive o Fundão na minha cabeça e não tenho mais recordações porque os meus pais não tinham dinheiro para passar férias no Fundão.”

Mas as ligações à Beira-Baixa haviam de persegui-la por diversas vezes, não só em visitas e até actuações (há registos de que cantou com a irmã Celeste nas Festas de Santa Luzia, em 1946, e esteve em idêntica romaria em 1959) mas também em entrevistas. Arnaldo Saraiva recorda que, ao entrevistá-la para a RTP em 1987, lhe sugeriu que cantasse a Santa Luzia. Ela acedeu, advertindo: “Depois não digam que estou a cantar mal”. “Foi um momento mágico, dos mais sublimes que a televisão portuguesa já produziu – e que, estranhamente, nunca nenhuma biografia, ou filme, ou vídeo de Amália lembrou”, escreveu Saraiva no JF em 2012, acrescentando: “Nem nunca entrou no YouTube.” (agora, apesar da fraca qualidade, já lá está).

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Num carro alegórico da Festa de Santa Luzia (1959) e no Casino Fundanense (1950) com Raul Nery (guitarra) e Santos Moreira (viola) JORNAL DO FUNDÃO

Com reprodução de muitos recortes, fotografias (há várias de Amália no Fundão, seja a cantar no casino, a posar numa casa de electrodomésticos ou num carro alegórico da Festa de Santa Luzia) e três entrevistas (1987, 1991 e 1992), o livro reúne ainda 22 depoimentos, por ordem alfabética, assinados por Antonio Saez Delgado, António Valdemar, Augusto Canário, Caetano Veloso, Camané, Carlos do Carmo, Custódio Castelo, David Ferreira, Gisela João, José Alberto Sardinha, Manuel Alegre, Manuel Cargaleiro (numa entrevista conduzida por António Melo), Maria Bethânia, Maria João Pires, Nadejda Kozlenko, Pedro Abrunhosa, Pierre Léglise-Costa, Roberto Vecchi, Rui Vieira Nery, Rui Zink, Sérgio Godinho e Vítor Pavão dos Santos. E termina com uma cronologia biográfica e uma bibliografia seleccionada, com texto introdutório assinado pela directora do Museu do Fado, Sara Pereira.

Amália, a Raiz e a Voz é mais uma peça a juntar às que têm vindo a dar alento às celebrações do centenário de Amália. E parece insubstituível no seu propósito: o de “iluminar com novas luzes a raiz ou raízes que sustentavam e alimentavam a sua personalidade e o seu canto.”