Sem máscaras nem confinamento, Suécia regista uma das médias mais baixas de infecções na Europa
Apesar da ausência de mortes nos últimos dias, o país ainda tem uma taxa de mortalidade muito superior à dos vizinhos nórdicos. O responsável pela resposta sueca diz que “algo correu mal nos lares”.
Quando quase todos os países europeus vivem há semanas um cenário de novos casos diários e, em alguns casos, de mortes, comparável ao pico da pandemia de covid-19, na Primavera, a Suécia, que se destacou desde o início por uma abordagem dita descontraída, mantém uma das taxas mais baixas de infecções.
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Quando quase todos os países europeus vivem há semanas um cenário de novos casos diários e, em alguns casos, de mortes, comparável ao pico da pandemia de covid-19, na Primavera, a Suécia, que se destacou desde o início por uma abordagem dita descontraída, mantém uma das taxas mais baixas de infecções.
Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla inglesa), o país escandinavo registou nos últimos 14 dias um total de 22,2 casos por 100 mil habitantes, contra 279 em Espanha, 158,5 em França ou 77 na Bélgica, todos países que escolheram impor confinamentos durante alguns meses, como fez a maioria dos países do continente europeu.
Os dados do ECDC, com data de terça-feira, comparam 31 países – destes, 22 apresentam taxas de infecção mais elevadas do que a Suécia.
“Não temos a ressurgência da doença que muitos países têm”, disse numa entrevista ao canal de noticias France-24 Anders Tegnell, epidemiologista que aconselha o Governo e desenhou a estratégia adoptada. Em geral, diz, os suecos estão contentes com as medidas – isto apesar de haver quem continue a acusar os dirigentes de “deixar morrer os mais velhos”.
A ideia por trás da decisão de evitar confinamentos rigorosos ou quarentenas, mantendo sempre abertas as escolas para alunos até aos 16 anos, lojas, bares, restaurantes ou ginásios, sem nunca recomendar o uso de máscara, foi retardar o contágio para não sobrecarregar os serviços de saúde, insiste Tegnell. O epidemiologista sublinha que a intenção nunca foi acelerar a imunidade de grupo, como muitas vezes se escreveu.
“No fim, veremos a diferença que terá feito apostar numa estratégia que é mais sustentável, que podemos manter em vigor durante muito tempo, em vez de uma estratégia que implica encerrar tudo, reabrir e voltar a fechar”, resume Tegnell.
A insistência principal tem estado na responsabilidade individual: nunca foi exigido nada à população, em vez disso pediu-se aos 10 milhões de suecos para respeitarem distanciamento social e, se possível, optarem pelo teletrabalho. Às pessoas acima dos 70 anos foi recomendado que se isolassem e apenas se proibiram os ajuntamentos de mais de 50 pessoas. O uso de máscara, que alguns suecos adoptaram, nunca foi recomendado.
Actualmente, o país tem menos infecções diárias do que a Noruega e a Dinamarca, os seus vizinhos nórdicos, e regista zero mortes relacionadas com o novo coronavírus na sua média de sete dias. Nos hospitais suecos há 13 pacientes de covid-19 nos cuidados intensivos.
"Consistente e sustentável"
“A estratégia da Suécia tem sido consistente e sustentável”, reforça Jonas Ludvigsson, professor de Epidemiologia no reputado Instituto Karolinska, de Estocolmo, citado pelo diário britânico The Guardian. “Provavelmente, comparado com outros países, agora temos um risco menor de propagação.”
Apesar do autoproclamado sucesso na gestão da pandemia que já matou mais de 935 mil pessoas no mundo e que, na Europa, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, está num momento decisivo, em que “a pressão da infecção vai aumentar”, a estratégia sueca já foi posta em causa. Com 5800 mortes relacionadas com a covid-19, o país soma dez vezes mais mortos do que a Noruega e a Finlândia, metade em lares. Em Maio, chegou a ser o país com a maior taxa de mortes per capita da Europa.
As autoridades garantem que os protocolos foram cumpridos, mas há médicos que acusam o Governo de “nem sequer tentar salvar as pessoas mais velhas”, como diz à France 24 Anders Vahlne, virologista do mesmo Instituto Karolinska. “Tinham tanto medo de saturar os serviços de reanimação, de não poderem salvar os jovens que estavam gravemente doentes. Penso que foram demasiado duros na selecção dos doentes”, denuncia.
Sacrificar “as pessoas mais velhas"
Os familiares de algumas das pessoas que morreram em lares concordam. “O médico disse-nos que estavam a seguir os protocolos e que, como o tio era velho e estava fraco não teria cuidados hospitalares”, contou à France 24 Juliana Jihem, que viu o tio, Moses Ntanda, morrer num lar quatro dias depois de ser diagnosticado com covid-19, em Abril. A família já apresentou queixa na polícia.
“Falávamos com ele no FaceTime e podíamos ver que o pessoal que lá estava não usava máscaras nem luvas”, diz Peter Jihem, marido de Juliana. “Parece-me que eles sacrificaram as pessoas mais velhas, e é inaceitável, toda gente tem direito a uma hipótese de sobreviver”, insiste a sobrinha de Ntanda, que tinha 72 anos e sofria de demência.
O Governo sueco disse na terça-feira que a partir de Outubro vai pôr fim à proibição de visitas aos lares, em vigor há meses. “É um risco quando levantarmos a proibição”, assume a ministra dos Assuntos Sociais, Lena Hallengren. “Quero que toda a gente assuma a sua responsabilidade.”
Tegnell assegura que a elevada taxa de mortalidade não tem a ver com nenhuma decisão estratégica mas com o fracasso em impedir uma propagação catastrófica do vírus nos lares. “Claro que algo correu mal ali.”