Centros comerciais pedem à Provedoria de Justiça que trave “perdão” das rendas

Pedido de inconstitucionalidade da Associação Portuguesa de Centros Comerciais é suportado por pareceres de constitucionalistas Jorge Miranda, Rui Medeiros e Jorge Reis Novais.

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Daniel Rocha

A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) apresentou esta quarta-feira uma queixa na Provedoria de Justiça contra o n.º5 do artigo 168.º - A, da Lei do Orçamento de Estado Suplementar, que passou a isentar os lojistas dos centros comerciais do pagamento da renda mínima, limitando o valor a pagar à componente variável, ou seja, em função das vendas. A APCC reclama a inconstitucionalidade do regime especial entretanto criado, bem como a sua “retroactividade” a Março, como pedem os lojistas.

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A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) apresentou esta quarta-feira uma queixa na Provedoria de Justiça contra o n.º5 do artigo 168.º - A, da Lei do Orçamento de Estado Suplementar, que passou a isentar os lojistas dos centros comerciais do pagamento da renda mínima, limitando o valor a pagar à componente variável, ou seja, em função das vendas. A APCC reclama a inconstitucionalidade do regime especial entretanto criado, bem como a sua “retroactividade” a Março, como pedem os lojistas.

“A APCC apelou à Senhora Provedora de Justiça para que tome em consideração as preocupações manifestadas, diligenciando juntos dos órgãos estaduais competentes para correcção de uma situação que se reputa injusta, pouco clara, e de duvidosa compatibilidade constitucional e, caso assim o considere adequado, possa, em qualquer caso, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da norma”, revela a associação em comunicado.

A queixa é sustentada nos pareceres jurídicos elaborados pelos constitucionalistas Jorge Miranda, Rui Medeiros e Jorge Reis Novais.

Segundo o resumo dos pareceres feito pela APCC, a alteração aprovada no Parlamento sem votos contra “conduz a situações de manifesta e profunda injustiça material, que suscitam dúvidas de constitucionalidade assinaláveis por violação, entre o demais, de direitos, liberdades e garantias”. Acrescentando que a alteração feita “reflecte a ilegitimidade da intervenção legislativa do Estado no plano de relações jurídico-privadas, comprimindo ilegitimamente direitos, liberdades e garantias e assim conduzindo a uma especial oneração dos proprietários dos centros comerciais na sua relação com os lojistas”.

Para António Sampaio de Mattos, presidente da APCC, o regime especial, “impõe um prejuízo sério e injustificado na esfera patrimonial dos proprietários dos centros comerciais”.

Contudo, a APCC não rejeita que aos lojistas afectados pelas medidas legislativas e administrativas de excepção, que determinaram o encerramento dos estabelecimentos comerciais ou a suspensão da sua actividade, “não fosse devida uma ajuda de natureza pública”. O que diz rejeitar “é que essa ajuda seja coercivamente transmitida para os proprietários dos centros comerciais, que em nada contribuíram para a situação e que, de igual forma, foram severamente impactadas pela pandemia”.

A queixa na Provedoria de Justiça aponta para outra distorção da lei, uma vez que “os senhorios com contratos de arrendamento não habitacional, que operam, por exemplo, lojas de rua, sem a componente variável da renda, estão, pelos motivos anteriormente expostos, em clara vantagem face aos proprietários dos centros comerciais”.

 Menezes Cordeiro a favor dos lojistas

A APCC sustenta, também com o apoio dos pareceres que juntou, que “não há dúvidas, que a Lei entrou em vigor no dia 25 de Julho de 2020, sendo manifesta e cristalina a sua aplicação não retroactiva (por só abranger rendas futuras) a contratos já celebrados e em execução”.

A associação de proprietários refere que está disponível para, “em conjunto com os lojistas, encontrar as soluções adequadas a cada momento e à capacidade de cada lojista, tendo em vista a preservação do emprego gerado por este sector e a sua contribuição para a retoma da economia”.

Em defesa da “retroactividade” da norma, a Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) quer recorrer ao Parlamento, a forma mais célere de esclarecer a aplicabilidade da lei. “Para dissipar quaisquer dúvidas e evitar pressões sobre os lojistas”, a AMRR “pedirá à AR que aprove uma norma interpretativa da lei”, disse Miguel Pina Martins, presidente da associação, ao PÚBLICO. "Não nos passa pela cabeça que a aplicação da Lei nº27 A/2020 não comece no período de encerramento das lojas, que é, de resto, o início desta questão e da profunda crise sentida no sector”, acrescenta a associação.

A associação que diz representar mais de dois mil lojistas muniu-se de um parecer jurídico, assinado por Menezes Cordeiro, que, de acordo com a síntese divulgada, vai de encontro às suas pretensões. Assim, e segundo um comunicado recente da AMRR, o professor de Direito sustenta que outra interpretação que não aplicar a norma desde Março levaria a que, “no pico da crise e com os centros encerrados, a ‘renda fixa’ seria devida; aquando da recuperação (pós-25 de Julho), ela seria dispensada; e isso enquanto os outros sectores, com relevo para o arrendamento, beneficiariam de apoio ab initio”.

Segundo a AMRR, "neste momento há centros comerciais que reconhecem a aplicação da lei a partir do primeiro dia em que as lojas foram obrigadas a encerrar, mas outros insistem em considerar que não se aplica ao período de encerramento”. Perante a dupla interpretação, “não é possível que a Assembleia da República não faça mais nada, pelo que é urgente que haja uma norma interpretativa”.

Para que a Assembleia da República avance com a clarificação da lei, a AMRR, que é apoiada pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), precisa do apoio de vários partidos.