O estranho regresso à escola

Tiago, 8 anos, ainda não sabe como vai brincar com os amigos no recreio da sua escola primária. Carolina, 11 anos, fará o caminho para a escola com uma amiga, pelo “lado que tem menos gente”. Para Berta, 15 anos, é só mudanças: novo ano, nova escola. E uma certeza: vai ser tudo muito estranho. Três testemunhos num regresso a uma escola diferente.

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Tiago Martinez, 8 anos
3ª ano, Centro Escola da Gandra, Maia

“Quando faltarem zero dias para ir para a escola vou sair da cama a correr”

A minha escola é mesmo em frente à minha casa, mas este ano vai haver muitas coisas diferentes. Vou ter de usar máscara na escola, desinfectar as mãos. Tenho duas máscaras do FC Porto, duas azuis e duas pretas. Mas a máscara não é obrigatória no 1º ciclo! A minha mãe quer que eu tente usar, mas faz comichão e calor. Os meus pais são os dois enfermeiros. Acho que vou usar quando as pessoas estiverem perto de mim. No refeitório também vai ser cadeira sim, cadeira não. A minha mãe vai-me dar uma bolsinha com três partes para eu guardar as máscaras limpas, as usadas, o gel e lenços para o nariz.

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Tiago Martinez, 8 anos, vai para o 3º ano. Nelson Garrido

Já sei que futebol não vai haver e educação física também vai ser diferente por causa do coronavírus. Também não posso levar a minha mochila, os livros ficam na escola, levo só a lancheira. Não sei como vai ser para trazer os trabalhos de casa! Nos intervalos quero correr, correr, correr mais! Mas não sei se podemos jogar ao “mata”. Só se cada uma tiver a sua bola, atira e vai buscar. Mas sei que também não vou poder ir à biblioteca e ainda tenho um livro para devolver! É sobre o Mundial de Futebol. Gostava de ser jogador de futebol ou professor. Gostava de jogar em qualquer clube, menos no Benfica e no Braga. Ou então no Barcelona, mas o Messi estragou tudo. Não estou preocupado com a escola, tenho saudades dos meus amigos. Vai custar acordar cedo, mas não tenho medo de ir para a escola. Eu confio, conheço toda a gente. Deu na televisão que a Suécia já acabou com o coronavírus. Eu gostava que acabasse rápido. Acho que no Inverno já não há coronavírus. Faço anos dia 2 de Janeiro e queria muitos amigos na minha festa, diversão total. Quando faltarem zero dias para ir para a escola vou sair da cama a correr.

Carolina Vilela, 11 anos
6.º ano, Escola Básica Integrada Dr. Joaquim de Barros, Oeiras

"Não vamos ter recreio, vamos ficar sempre na mesma sala"

Cá em casa vamos todos regressar às aulas. Os meus pais são professores e o meu irmão vai começar agora a faculdade. Só tenho algum medo de apanharmos o coronavírus e de passarmos à minha avó, que vive connosco e é uma pessoa de risco.
Quando soube que ia voltar à escola, fiquei feliz. Eu começo todos os anos entusiasmada, porque gosto das aulas, mas este ano vai ser estranho. Estar com máscara, sempre a desinfectar as mãos... Não gosto muito de estar com máscara. Faz embaciar os óculos, e dificulta-me a respiração. Também acho que vai ser mais difícil perceber quando os outros estão tristes ou contentes, não vai dar para ajudar. Eu vou para a escola a pé com uma amiga minha que mora perto de mim. Vamos tentar ir sempre pelo lado onde há menos gente. A primeira coisa que eu quero fazer é estar com as minhas amigas e amigos. Mas este ano vai ser diferente. Não vamos ter recreio, vamos ficar sempre na mesma sala. Os professores é que mudam, quando vão para outra turma. Nos intervalos, podemos estar nos telemóveis, lanchar e falar até o outro professor chegar. Só vou ter aulas à tarde num dia e nesse dia vou almoçar a casa, mas quem almoça na escola vai almoçar por turnos, e só vai ter 15 minutos no refeitório. Tenho falado muito com os meus pais sobre como vai ser. Eles dizem que é muito importante usarmos máscara, para nos protegermos a nós e aos outros, e lavarmos muitas vezes as mãos. Mas que, se formos responsáveis, não há que ter medo e vai correr tudo bem.

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Carolina Vilela, 11 anos, está entusiasmada com o regresso às aulas. Daniel Rocha

 

Berta Berton, 15 anos
10 º ano, Escola Secundária de Cacilhas-Tejo, Almada

“Vou fazer novos amigos e não posso estar com eles normalmente. É estranho”

Vou para o 10º ano e estou um pouco nervosa, vai ser uma mudança de tudo: novo ano, nova escola, mais as novas regras. Vou fazer novos amigos e não posso cumprimentá-los, estar com eles normalmente, é estranho. Não conhecia a escola e fica mais longe da minha casa. Como os meus pais estão separados, quando estou na casa do meu pai o meu avô leva-me de carro até à estação do Metro Sul do Tejo e vou de metro para a escola. Quando estiver na minha mãe, vou a pé até à estação. Mas irei sempre de metro. Sei que tenho de usar sempre a máscara nos transportes, desinfectar as mãos, manter o distanciamento social. Eu nem me vou sentar, vou sempre de pé! Se o metro estiver cheio de gente tenho de entrar na mesma, não tenho outra opção. Estou um bocadinho nervosa em relação a isso, não me posso atrasar e terei de me levantar mais cedo. A minha turma tem 29 alunos e vou ter aulas sempre da parte da manhã, até à 13h30. Dá sempre para almoçar fora da escola, nos meus avós ou em casa, que era uma preocupação do meu pai. Na sala de aula tenho de usar máscara e de preferência também nos intervalos. Acho que vai ser difícil para os professores estarem sempre de máscara. Tenho de desinfectar as mãos, evitar partilhar materiais, comida, tudo! Para mim acho que vai ser difícil porque eu gosto muito de estar com as pessoas, sou muito afectiva, gosto de tocar, vai custar-me muito. Eu estava sempre com muita gente e isso mudou.

 

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Berta Berton, 15 anos, vai ter sobretudo cuidado nos transportes até à escola. Rui Gaudêncio