Regresso às aulas: Sete Ideias para este Ano Letivo

Precisamos de um regresso às aulas alicerçado na confiança e na esperança. Como educadores e professores temos de ser exigentes, sensatos e lúcidos. Reivindicar e construir oportunidades para uma vida viável, digna e decente.

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Sergio Azenha

A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor. (Edgar Morin)

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A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor. (Edgar Morin)

Os professores não têm futuro. Eles são o futuro. (Philippe Meirieu)

 

Este texto apresenta sete ideias para estruturar, organizar e viver este tão difícil, complexo e desafiante ano letivo.

1. Em primeiro lugar, o imperativo de uma escola presencial. Depois de um longo período de confinamento, de um ensino a distância suportado por plataformas online, era incontornável este regresso à presença, à proximidade, à interação direta. Este regresso ao rosto e ao olhar, ainda que largamente mascarados. Porque precisamos de olhar, precisamos de ver, precisamos de reparar e de sentir, mesmo na distância física dita social. A educação, sobretudo na escolaridade obrigatória, precisa da proximidade do outro para compreendermos as feridas, os lutos, as esperanças. E as escolas são, apesar de tudo e provavelmente, os lugares mais seguros para se viver neste tempo de pandemia.

2. Mas este regresso, após uma longa estada prisional em casa, precisa de ser feito sobre o signo da segurança, sob pena de se instituir o desastre. É certo que foram produzidas múltiplas orientações para a ação. De um modo geral sustentadas e sustentáveis. Há, no entanto, o receio evidente da precariedade de meios, recursos e condições. Porque muitas escolas não têm espaços para desdobrar turmas, constituindo grupos de aprendizagem mais pequenos. Porque não há professores suficientes para colocar em marcha esta opção. Porque poderá não haver funcionários de apoio para uma ação sanitária cuidada. E a hipótese mais sensata de cumprir as distâncias de segurança em todas as escolas [e ativar uma pedagogia muito mais personalista] era ter havido a ousadia de reduzir o currículo às aprendizagens essenciais. Teríamos os mesmos alunos, os mesmos espaços, os mesmos professores, mas um currículo emagrecido com condições de ensino e aprendizagem muito mais seguras e favoráveis. Seria caso para dizer que menos horas de ensino seriam mais horas de aprendizagem fecunda e segura. A outra hipótese, provavelmente mais consensual pois não mexeria na “sacralidade” do currículo e teria condições de viabilidade, era ter admitido o ensino misto como opção primeira [a maior parte presencial e a menor parte online], o que implicaria toda uma planificação e organização distintas, mas permitiria um funcionamento mais sustentável.

3. Em terceiro lugar, precisamos de instituir uma metamorfose nos modos de ação pedagógica. Depois de um longo tempo de ensino a distância em que terá prevalecido um tempo e modo de exposição da “matéria”, seria muito importante prosseguir o ensaio de transformação pedagógica, centrando a ação numa pedagogia da implicação, da pesquisa, da criatividade, da produção, da comunicação. Porque nós precisamos de construir uma ação pessoal e social muito mais atenta, muito mais crítica, muito mais participativa. A escola tem de abdicar da ideia de formar espetadores mais ou menos interessados na vida pública e comum. Precisamos de cidadãos livres, solidários, conscientes, comprometidos, compassivos. E esta finalidade educativa essencial só se cumprirá com outros modos de convocar os alunos para a “aula” e para o conhecimento.

4.  Em quarto lugar, sinalizamos o imperativo da desaprendizagem. Desaprender as rotinas paralisantes, as conformidades (e as perversões) burocráticas que transformam meios em fins, a lógica do simulacro e do faz-de-conta que arruína o cumprimento de muitas das promessas educativas. Precisamos de aprender a liberdade e responsabilidade de decidir, o compromisso individual e colegial, tendo sempre em vista os direitos dos alunos a uma educação de qualidade.

5. Para que esta desaprendizagem tenha condições de emergência, temos de continuar os esforços de renovação dos modos de trabalho docente. Desde sempre que os professores foram socializados numa ordem vassálica de dependência, de obediência, de cumprimento de orientações e instruções superiores. Este foi um tempo de desautorização e proletarização que foi existindo muito por ação de uma ação individual e solitária. É preciso que os professores vejam as vantagens de um modo agir mais colaborativo e solidário, mais capaz de analisar os problemas que enfrentam e arquitetar as soluções possíveis. Mas também é preciso que a organização crie condições físicas para que existam tempos e espaços comuns para o encontro de produção de respostas. E que na agenda destes tempos de trabalho se coloquem as questões e os problemas que se enfrentam no dia-a-dia escolar. Os professores que são o futuro são os autores e os decisores de uma ordem educativa mais colaborativa, mais justa e eficaz.

6. Evidentemente: o regresso à escola tem de ser feito num clima relacional onde o medo de existir esteja relativamente ausente. Pois a aprendizagem não poderá acontecer num clima de elevada ansiedade e medo dos outros. Para que esta ausência seja viável, precisamos de reforçar a nossa capacidade de atenção e de escuta e acreditar na inteligência dos dirigentes escolares e dos professores. Face a situações de elevada imprevisibilidade, seria muito desejável que se ativassem as capacidades de tomada de decisão, desejavelmente a nível dos territórios locais. Sabe-se que a escola não pode tudo. Mas poderá muito mais (e melhor) se existir no território e na rede local. Face a questões graves, só os poderes locais têm condição de analisar, decidir e agir. O Município, o conselho municipal de educação são o palco por excelência para uma ação deliberativa concertada e eficaz.

7. Last but not least: precisamos de um regresso às aulas alicerçado na confiança e na esperança. Confiança na capacidade de deliberação e nas inteligências das pessoas que no terreno conduzem a ação educativa. Como se sabe, a confiança e a esperança não são decretáveis, não podem ser impostas. Mas podem ser geradas: se acreditarmos nas pessoas, se abdicarmos da obsessão do mando e do controlo externo e superior, se reconhecermos os limites e os problemas, se formos rigorosos na escuta e sensíveis às realidades que vamos enfrentar.

Como educadores e professores temos de ser exigentes, sensatos e lúcidos. Reivindicar e construir oportunidades para uma vida viável, digna e decente. Uns com os outros. Sobretudo quando as sombras pandémicas nos querem encerrar e aprisionar em casa.

O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.