Podemos confiar nas balanças de bioimpedância?

Pode acontecer que o plano alimentar tenha sido bem prescrito, que o paciente o tenha cumprido escrupulosamente, que existam mudanças notórias na roupa e no espelho, mas que depois a balança diga que, afinal, os resultados foram o oposto do pretendido porque o estado de hidratação era diferente do da primeira consulta. E é este paciente que, por norma, não regressa.

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Para quem não está familiarizado com o termo, as balanças de bioimpedância são aquelas em que tem de pesar-se “descalço” para obter os seus valores de massa gorda, massa magra, massa óssea, “idade metabólica” e nível de gordura visceral, entre outros.

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Para quem não está familiarizado com o termo, as balanças de bioimpedância são aquelas em que tem de pesar-se “descalço” para obter os seus valores de massa gorda, massa magra, massa óssea, “idade metabólica” e nível de gordura visceral, entre outros.

Podemos confiar nestes resultados? A resposta é “nim”. Porque depende do tipo da balança e das condições em que é feita essa medição.

Em primeiro lugar é preciso perceber de que forma funciona a bioimpedância e, com isso, as suas limitações. A impedância é a resistência oferecida à passagem da corrente eléctrica. Uma vez que a água é considerada o único componente do corpo com condutividade eléctrica, quando a corrente passa ao longo do corpo a impedância da água pode ser medida. Com este valor de impedância, o volume total de água do corpo é calculado e a partir daí, utilizando fórmulas adequadas, podemos calcular a massa magra e a massa gorda.

Os pré-requisitos para a correcta utilização da bioimpedância (que são cumpridos em todos os trabalhos de investigação) são: jejum de 4 a 8 horas, abstinência de treino vigoroso nas 12 horas anteriores, bem como de ingestão de bebidas alcoólicas, cafeína e diuréticos, e também a bexiga vazia e a pele à temperatura ambiente. Ora, é fácil perceber que, de todos estes pré-requisitos, apenas os últimos dois conseguem ser cumpridos por norma numa consulta. É impossível ter consultas sempre à mesma hora e cumprindo todos estes requisitos que visam padronizar o nosso estado de hidratação. Estas pequenas (ou grandes) variações no estado de hidratação podem ter um efeito tremendo na estimativa da massa gorda e da massa muscular, sendo este o outcome decisivo para grande parte das pessoas que vão a uma consulta de nutrição com vista ao emagrecimento ou hipertrofia muscular.

É certo que existem estudos que mostram que os resultados da bioimpedância não são diferentes de outros métodos de referência da avaliação da composição corporal, mas é preciso reconhecer que em trabalhos de investigação todos os pré-requisitos atrás citados são cumpridos escrupulosamente. É precisamente por esta ser uma realidade constante em todas as consultas que é bastante irrisório que fique ao critério destas balanças o sucesso da intervenção do nutricionista. Porque pode acontecer que o plano alimentar tenha sido bem prescrito de acordo com o objectivo, que o paciente o tenha cumprido escrupulosamente, que existam mudanças notórias na roupa e no espelho, mas que depois a balança diga que, afinal, os resultados foram o oposto do pretendido porque o estado de hidratação era diferente do da primeira consulta. E é este paciente que, por norma, não regressa para uma terceira consulta.

Qual será então a alternativa? A avaliação da composição corporal através de pregas cutâneas e de perímetros corporais tem sempre vantagens em relação à utilização exclusiva da bioimpedância (podem ser utilizados os dois em simultâneo). Talvez a principal vantagem passe pelo próprio contacto manual do nutricionista com o corpo da pessoa. É difícil ter a percepção da composição corporal de qualquer pessoa sem a tocar e apenas avaliar a sua massa gorda e massa muscular com ela vestida.

O conceito de “falsos magros” (pessoas com peso baixo/médio mas grande percentagem de massa gorda) e de “falsos gordos” (pessoas pesadas mas com grande quantidade de massa muscular) é conhecido por toda a gente. Até do ponto de vista do treino é possível ter a percepção daquilo que está (ou não) a ser feito, pois alguém que diga que faz musculação cinco vezes por semana durante vários anos e depois se apresente com baixos níveis de massa muscular, certamente que está ir a ginásio mas não deve estar a treinar.

Quando a principal motivação para a modificação da composição corporal é estética, não é uma percentagem na balança que vai fazer a diferença, até porque ninguém anda com os seus níveis de massa gorda e massa muscular escritos na testa quando passeia na praia. Mas se falarmos do valor da prega abdominal ou do perímetro do braço, coxa, peitoral, glúteo, aí a situação já é bem diferente, pois são valores que saltam à vista da própria pessoa e de toda a gente que a rodeia. Esta junção de pregas e perímetros permite avaliar em que zonas a massa gorda está a baixar mais rapidamente (subcutânea ou visceral), já que o perímetro da cintura não está exclusivamente ligado à gordura visceral, pois o mesmo também pode aumentar quando há aumento de massa muscular e até há quem chegue ao extremo oposto e faça algumas inferências bastante abusivas sobre o papel de algumas hormonas como insulina, cortisol, hormonas sexuais e tiroideias nas zonas de acumulação de gordura e respectiva modulação nutricional.

Quem dá aulas de antropometria e vê alunos a medir pregas pela primeira vez, ou se recorda das primeiras vezes que mediu pregas cutâneas, lembra-se perfeitamente do grau gigantesco de erro que cada medição comportava e que são precisas umas boas centenas de medições para “ganhar mão” para além de um necessário curso de acreditação numa sociedade de antropometria. Também se sabe que este tipo de medições em pessoas com excesso de peso e obesidade é extremamente difícil face à grande espessura de prega e dificuldade de marcação dos pontos anatómicos.

Ainda assim, mesmo nestes casos esta avaliação justifica-se, pois existem sempre informações positivas que se conseguem recolher de forma a melhorar a adequação nutricional do plano. Um lipo-calibrador que permita fazer esta avaliação e uma fita métrica são até mais baratos do que uma balança de bioimpedância. Pode parecer um instrumento mais arcaico, pode não dar o show-off de um layout de bioimpedância com bastantes tabelas e gráficos, pode não ser tão confortável (se bem que há quem prefira ficar em roupa interior para ver pregas do que tirar as meias para subir à balança), mas certamente será uma avaliação mais completa e um toque extra de qualidade no serviço que lhe está a ser prestado.