Crise Social: o emerso e o submerso
Só assim se percebe que, embora haja muito mais desemprego, a taxa de desemprego tenha diminuído. A fricção negativa no mercado de trabalho imensa é, porém, bastante preocupante.
O desemprego é uma das principais variáveis que ligam imediatamente a economia à situação social. Segundo os dados que o INE tem vindo a publicar, sejam os trimestrais, sejam os mensais, conjugados com os números das pessoas abrangidas pelo lay-off e pelo desemprego registado no IEFP, há já efeitos bem visíveis, com impactos notórios, mas há, contudo, uma parte bastante significativa ainda submersa estatisticamente.
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O desemprego é uma das principais variáveis que ligam imediatamente a economia à situação social. Segundo os dados que o INE tem vindo a publicar, sejam os trimestrais, sejam os mensais, conjugados com os números das pessoas abrangidas pelo lay-off e pelo desemprego registado no IEFP, há já efeitos bem visíveis, com impactos notórios, mas há, contudo, uma parte bastante significativa ainda submersa estatisticamente.
Está submersa por várias razões. Só emergirá verdadeiramente nos próximos meses, aquando das alterações nos apoios sociais extraordinários criados, alguns terminados a partir de outubro. Só se tornarão mais evidentes totalmente em março, sendo este o tempo limite das moratórias bancárias.
Na Primavera-Verão, o desemprego, em situação normal, diminuiria. Pela agricultura, pelo turismo, pelo consumo das férias. As comparações devem ser vistas, então, homologamente.
O INE, com dados recentes do segundo trimestre, “estranhamente” disse-nos que o desemprego baixou 50,1 mil pessoas. Estes dados são médios, a três meses, e correspondem ao início da pandemia. Contudo, se vistos nas variações mensais, mês após mês, eles são crescentemente negativos. Entre maio e junho, por exemplo, o último mês deste trimestre, subiram 53,8 mil as pessoas desempregadas (mais de 18,9%). A subida mensal foi assim notória, quando normalmente baixaria.
Importa, contudo, completarmos esta ponta do visível com dados estatísticos anormais, dos tempos anormais que vivemos.
Em termos homólogos, naquele período, porém, o emprego baixou 185 mil pessoas. Porque não passaram então estatisticamente para o desemprego, se aquele até diminuiu? Porque não procuraram as pessoas desempregadas emprego ou não se mostraram disponíveis para trabalhar? A razão esteve no confinamento e nas expetativas realistas de não o obter.
Assim, uns que deixaram de estar empregados tornaram-se inativos, e não desempregados. Outros, dos que já estavam desempregados, deixaram de o ser estatisticamente, tendo sido também inativados. A população inativa subiu consequentemente 259,1 mil pessoas, estimando-se que, destas, 143,9 mil estavam disponíveis para trabalhar, mas não procuraram empregos.
Adicionalmente, nos 4,731 milhões que permaneceram empregados, mais dum milhão (1,08) estiveram ausentes do trabalho, dos quais 680,1 mil em lay off, um valor quatro vezes superior face ao período homólogo do ano passado. As horas trabalhadas diminuíram, por sua vez, mais de 26%.
Só assim se percebe que, embora haja muito mais desemprego, a taxa de desemprego tenha diminuído. A fricção negativa no mercado de trabalho imensa é, porém, bastante preocupante.
Uma parte destes desempregados não visíveis pode ser apanhada pelo indicador subutilização do trabalho, que subiu 116,1 mil pessoas, em junho. Esta subutilização atingiu, neste mês, 14,8%, mais 2,3 pp, face ao ano passado. Este indicador, mais abrangente, continua ainda a não apanhar os empregados sem ocupação, em empresas paradas ou com grande redução de atividade (lay off por exemplo), nem os inativos que simultaneamente nem procuraram nem estiveram disponíveis para trabalhar, face ao confinamento.
Este fenómeno de desencorajamento é evidente nos jovens. Não havendo empregos novos, nem mobilidade internacional, estes são dos que mais sofrem. Neste segmento, há 62,3 mil a mais nos inativos e menos 56,9 mil no emprego. Os denominados jovens “nim” (nem emprego, nem escola, nem formação) subiram 92,3 mil.
Estas centenas de milhares, aferidas a junho, com os últimos dados do INE existentes, anómalas, em tempos anómalos, indiciam assim um elevado risco social. Mais duzentos mil, trezentos mil, quatrocentos mil? Nos próximos meses iremos ver.
Mês a mês, o drama manifesta-se mais. O congelado pelos apoios públicos vai descongelando. Em julho, o IEFP dizia que havia mais 110 mil desempregados registados. Nunca, em 30 anos, em maio, tinha havido subida mensal do desemprego registado. Desde fevereiro, em tempos que deveriam ser de baixa, o desemprego registado aumentou mais de 90 mil pessoas.
O INE informou-nos ainda que o PIB regrediu 16,3% no segundo trimestre, contra 2,3% no primeiro. O Turismo teve menos de 81,7% de hóspedes no fim do primeiro semestre, ou mais propriamente menos 96% de “estrangeiros” e menos 59,8% de residentes. Bastam-nos estes dois indicadores para ter a perceção do que está a acontecer.
As instituições e a sociedade têm de estar assim preparadas para o que se aproxima. Políticas públicas proativas, sociedade solidária e consciente e muito pragmatismo estratégico. Os apelos que têm sido feitos, inclusive pelos responsáveis governamentais, são bem realistas.