Sandra Azevedo, a Q-grader que decifra a ordem no caos do café
Há menos de dez Q-graders, os avaliadores de qualidade de café, em Portugal. Sandra Azevedo é uma delas, a primeira a querer saber como se avalia, afinal, a qualidade de um café de especialidade arábica ou de um robusta fino, desde o aspecto do grão ao sabor.
Sandra Azevedo vinha da indústria do tomate e no tomate não havia disto: “Muito doce, com acidez frutada e corpo denso, flavours [aroma e sabor] frutados complexos de passas, maçã, toranja, limão e bagas, combinados com notas de caramelo.” Pode não parecer mas estamos a falar de café. Talvez este seja da América Central, de onde saem grãos que dão uma bebida mais próxima das frutas frescas. Se fosse do Brasil, provavelmente andaríamos pelos frutos secos. Já um trago da Ásia há-de lembrar especiarias.
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Sandra Azevedo vinha da indústria do tomate e no tomate não havia disto: “Muito doce, com acidez frutada e corpo denso, flavours [aroma e sabor] frutados complexos de passas, maçã, toranja, limão e bagas, combinados com notas de caramelo.” Pode não parecer mas estamos a falar de café. Talvez este seja da América Central, de onde saem grãos que dão uma bebida mais próxima das frutas frescas. Se fosse do Brasil, provavelmente andaríamos pelos frutos secos. Já um trago da Ásia há-de lembrar especiarias.
Hoje é tudo muito claro na cabeça de Sandra, engenheira agroalimentar de formação e a primeira – e das poucas – Q-grader (quality grader, ou seja, avaliadora de qualidade) de café arábica e robusta em Portugal. Mas só é claro porque tem 21 anos de experiência no café e uma memória sensorial treinada. Nos primeiros três meses de trabalho na área, no entanto, em que torrava, moía, extraía e provava quatro cafés diferentes todos os dias, “tudo cheirava a chocolate”. “Não conseguia identificar os aromas”, assume.
O café tem mais de 1000 aromas identificados, sendo que todos se combinam entre si. Tal como acontece com os sabores. “Um café não é só doce, ácido ou amargo”, exemplifica Sandra Azevedo. E um Q-grader tem o dever de encontrar uma ordem em tudo isto, através da memória dos sentidos. Vejam-se os sabores: “Começamos por procurar os de natureza enzimática, que são os que vêm da planta, normalmente de flores ou fruta, depois vamos para as coisas mais castanhas, como os frutos secos, os chocolates, os caramelos e as baunilhas, e, por fim, vamos procurar as madeiras, as especiarias... É difícil conseguir sentir os elementos isoladamente e ordená-los. É preciso muito treino e esse trabalho tem de ser feito com objectividade”, explica.
Para entrar na alta competição, é preciso correr todos os dias. O mesmo acontece no “campeonato” dos Q-graders, um mundo delineado pelo Coffee Quality Institute (CQI) do qual apenas sai com um certificado na mão quem superar a exigência de cerca de 20 testes (o número varia conforme a edição e se se enquadra no universo dos arábica ou robusta). “Muito poucas pessoas passam”, conta Sandra Azevedo, que se submeteu aos testes em Espanha e na Suíça. Além disso, tentar a sorte implica investir cerca de 2000 euros, pagar viagens e estadias (as provas duram seis dias), pelo que em todo o mundo contam-se cerca de 5000 Q-graders de arábica e perto de 300 de robusta certificados pelo CQI – e, em Portugal, o total não chega a dez.
A desvalorização do robusta
E porquê esta discrepância entre os avaliadores das duas variedades de café? “Há muita gente a dizer que o café de especialidade tem de ser 100% arábica, mas não é verdade. Há robustas finos fabulosos. Mas ainda existe a ideia de que o robusta é aquela coisa má e amarga, mais colada ao café comercial. A verdade é que o mercado não o valoriza. Mas as coisas vão ter de mudar, até porque o planeta está a aquecer e o arábica gosta de frio. E se queremos continuar a beber café…”, sugere a engenheira.
Sandra também quis ser Q-grader de robusta para descobrir este “mundo à parte” dentro do universo do café de topo. “Que eu conheça, em Portugal, só há mais outra pessoa com a mesma certificação [Diogo Amorim, da Senzu Coffee Roasters]”, diz. Mas isto também acontece porque Portugal ainda está a dar os primeiros passos de uma pequena revolução no sector.
O primeiro estabelecimento de café de especialidade a surgir no país foi a Fábrica Coffee Roasters, em Lisboa, pelas mãos do russo Stanislav Rotar, em 2015. Entretanto, cafetarias e torrefacções independentes começaram a brotar um pouco por todo o país, trazendo outra forma de beber e conhecer o café. Mas para que o Q-grader comece a ter um papel mais marcado no terreno, ainda são precisos muitos passos. “Em termos profissionais, ser Q-grader não me trouxe muita coisa. As pessoas já me reconheciam pelo meu trabalho. Mas aprendi muito”, reconhece Sandra Azevedo, que em 2011 fundou a Academia do Café, em Lisboa, onde se aprende a torrar, a extrair e a saber o que é o café de especialidade. Como Q-grader, entretanto, trabalha com produtores da China, Tailândia, Panamá, Brasil e Angola.