Peeping Tom (1960) pode servir-nos de exemplo e ilustração para um dos princípios motores de A Humanidade dos Monstros: o quanto um tempo sucede a outro e como, nessa dinâmica, tudo se revolve, altera, ou mesmo destrói. Na película de Michael Powell, o que era insólito, ou aberrante, na infância do protagonista — um pai que filma incessantemente o seu filho — tornou-se, na actualidade, uma prática corrente, ubíqua. O fetiche, a “parafilia”, que consistirá, no filho, em tudo captar, por intermédio da imagem seja ela fixa, ou em sequência de movimentos — prática inusitada, senão malsã, no dealbar da década de 1960 —, é agora gesto reflexo, perfeitamente integrado nas práticas mais legitimadas do quotidiano. Ou seja: descontados, no filme, os tenebrosos intuitos do pai do serial killer, o que era desvio converteu-se em norma. Ou, como nos diz H. G. Cancela, “Aquilo a que chamamos mundo é um estado provisório de organização da experiência (...). É uma entidade dinâmica: histórica e culturalmente mutável, subjectiva e intersubjectivamente modelável, simultaneamente real e representacional.” (p.29). “O tempo, a história e a distância”, defende o autor, “distorcem, amassam, compactam, distendem, revelam, deturpam” (p.41). É talvez nesse sentido que H. G. Cancela formula um postulado que toma como exemplo um caso preciso, resgatado à história das artes: “Quando, em meados do século XV, Fra Angelico pinta, nas paredes dos dormitórios do convento de São Marcos em Florença, um conjunto de frescos de temática religiosa, ele sabe que aqueles que os irão apreender, partilham consigo os mais importantes instrumentos de apreensão e compreensão das representações.” (p.119)
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Peeping Tom (1960) pode servir-nos de exemplo e ilustração para um dos princípios motores de A Humanidade dos Monstros: o quanto um tempo sucede a outro e como, nessa dinâmica, tudo se revolve, altera, ou mesmo destrói. Na película de Michael Powell, o que era insólito, ou aberrante, na infância do protagonista — um pai que filma incessantemente o seu filho — tornou-se, na actualidade, uma prática corrente, ubíqua. O fetiche, a “parafilia”, que consistirá, no filho, em tudo captar, por intermédio da imagem seja ela fixa, ou em sequência de movimentos — prática inusitada, senão malsã, no dealbar da década de 1960 —, é agora gesto reflexo, perfeitamente integrado nas práticas mais legitimadas do quotidiano. Ou seja: descontados, no filme, os tenebrosos intuitos do pai do serial killer, o que era desvio converteu-se em norma. Ou, como nos diz H. G. Cancela, “Aquilo a que chamamos mundo é um estado provisório de organização da experiência (...). É uma entidade dinâmica: histórica e culturalmente mutável, subjectiva e intersubjectivamente modelável, simultaneamente real e representacional.” (p.29). “O tempo, a história e a distância”, defende o autor, “distorcem, amassam, compactam, distendem, revelam, deturpam” (p.41). É talvez nesse sentido que H. G. Cancela formula um postulado que toma como exemplo um caso preciso, resgatado à história das artes: “Quando, em meados do século XV, Fra Angelico pinta, nas paredes dos dormitórios do convento de São Marcos em Florença, um conjunto de frescos de temática religiosa, ele sabe que aqueles que os irão apreender, partilham consigo os mais importantes instrumentos de apreensão e compreensão das representações.” (p.119)