Alberto Manguel não perdeu uma biblioteca, ganhou uma cidade mágica
A entrega de duas preciosidades da biblioteca de Alberto Manguel oficializou este sábado, na Feira do Livro de Lisboa, a criação do Centro de Estudos da História da Leitura na assinatura do protocolo entre o escritor argentino-canadiano e o presidente da Câmara de Lisboa Fernando Medina.
“Nas cerimónias de casamento na Argentina é costume dizer-se ao pai da noiva: ‘Não vais perder uma filha, vais ganhar um filho.’ Hoje digo a mim mesmo: ‘Não vais perder uma biblioteca, vais ganhar uma cidade mágica. Obrigado”. Foi com estas palavras que o escritor e bibliófilo argentino-canadiano Alberto Manguel terminou o seu discurso na cerimónia de assinatura do protocolo de cedência e criação, em Lisboa, do Centro de Estudos da História da Leitura (CEHL), que decorreu neste sábado à tarde na Feira do Livro da capital.
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“Nas cerimónias de casamento na Argentina é costume dizer-se ao pai da noiva: ‘Não vais perder uma filha, vais ganhar um filho.’ Hoje digo a mim mesmo: ‘Não vais perder uma biblioteca, vais ganhar uma cidade mágica. Obrigado”. Foi com estas palavras que o escritor e bibliófilo argentino-canadiano Alberto Manguel terminou o seu discurso na cerimónia de assinatura do protocolo de cedência e criação, em Lisboa, do Centro de Estudos da História da Leitura (CEHL), que decorreu neste sábado à tarde na Feira do Livro da capital.
Se por mais nada valesse assistir à cerimónia do acordo da doação do acervo de 40 mil obras desta biblioteca à cidade de Lisboa, onde Manguel passará a viver e a dirigir o CEHL – que terá acesso público no Palacete dos Marqueses de Pombal, na Rua das Janelas Verdes –, já teria valido pela cara de felicidade do escritor e bibliófilo de 73 anos. Já no final do seu discurso, que fez questão de ler em português, tirou de um saco de pano, com o logo estampado da sua editora portuguesa Tinta-da-China, os dois primeiros volumes da sua biblioteca para os entregar ao presidente da Câmara Municipal, Fernando Medina, com quem assinou o protocolo. Primeiro, uma Bíblia manuscrita, em pergaminho, com iluminuras (do século XIII e encadernada mais tardiamente), embrulhada num papel branco; pouco depois, um exemplar da História da Literatura Arábico- Espanhola, escrito por González Palencia, que pertenceu a Jorge Luis Borges: numa das folhas tem a sua assinatura e a data 1934, e integra “anotações pela mão de Borges representando o resumo ou estrutura básica para a sua história, ‘La Busca de Averroes’ (A Busca de Averróis), publicada pela primeira vez na revista Sur, Junho de 1947, e mais tarde incluída em El Aleph, 1949”.
O ar de felicidade passou então para a cara de Medina, que não resistiu a ir espreitar, folheando o livro, a tal assinatura de Borges. O presidente da autarquia contou que foi a editora portuguesa de Manguel, Bárbara Bulhosa, que lhe trouxe de “forma apaixonada”, pela primeira vez, esta ideia de acolher a sua biblioteca, e que, como ambos tinham lido o mesmo livro de Manguel (Embalando a Minha Biblioteca - Uma elegia e dez divagações), chegou-se até este momento, com a ajuda da vereadora da Cultura Catarina Vaz Pinto e da sua equipa. Medina confidenciou ainda que, na primeira conversa que teve com Alberto Manguel, o escritor lhe disse que gostaria de, depois da doação, ter acesso permanente aos livros, a qualquer hora. “Isso será possível?”, perguntou. O presidente da Câmara de Lisboa percebeu então que “o criador seria sempre inseparável da sua obra”. Imaginou-o de noite, passeando entre os 700 metros de prateleiras, e respondeu-lhe que sim. Mas disse-lhe que “teria de ser mais do que o acesso pleno aos livros”, “devia ser a direcção de um centro de estudos da leitura e dos incríveis mundos que ela pode abrir”. Perceberam então que Alberto viria viver para Lisboa, onde chegou esta semana.
O escritor mostrou-se “orgulhoso e feliz” por doar a sua biblioteca a Lisboa. “Uma cidade que, nesta época de insanidade universal, mesmo sabendo que nenhum lugar na terra é uma utopia perfeita, de certa forma se tornou um refúgio para o diálogo civilizado e para dignificar a resistência”, disse o autor de Uma História da Leitura. O CEHL terá uma equipa de três a cinco pessoas, além de um director executivo e do próprio Manguel como director. A Câmara irá ainda “garantir as necessárias disponibilidades financeiras e suportar todos os custos operacionais”, incluindo “a instalação do equipamento” e “o transporte dos livros de Montreal para Lisboa”, além da “respectiva catalogação, mobiliário e tecnologia adequadas”. Encarregar-se-á também “da sua manutenção, incluindo os recursos humanos, aquisição de novas obras literárias, organização de eventos e outras actividades como conferências, seminários, exposições, residências literárias e respectiva divulgação”, lê-se no protocolo assinado este sábado, em frente ao Pavilhão Carlos Lopes, na Feira do Livro de Lisboa.
A cerimónia contou, na plateia, com as presenças da presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río, do poeta Nuno Júdice, da secretária-geral da Casa da América Latina, Manuela Júdice, do escritor Rui Cardoso Martins, do poeta Pedro Mexia, do editor Manuel Alberto Valente, da comissária do Plano Nacional de Leitura Teresa Calçada, além ainda de Francisco Louçã e do escritor Afonso Reis Cabral.