Trump sabia que a covid-19 era “mortal”, mas desvalorizou-a para “não criar pânico”

Preocupações com a covid-19 admitidas ao jornalista Bob Woodward contrastam com declarações públicas do Presidente. Joe Biden acusa o adversário de trair o povo norte-americano.

Foto
Donald Trump fez declarações aos jornalistas na Casa Branca sobre o novo livro de Bob Woodward JONATHAN ERNST/Reuters

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, admitiu ao jornalista norte-americano Bob Woodward que sabia da gravidade da covid-19 antes de se registar a primeira morte no país, mas decidiu desvalorizá-la para não gerar o pânico.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, admitiu ao jornalista norte-americano Bob Woodward que sabia da gravidade da covid-19 antes de se registar a primeira morte no país, mas decidiu desvalorizá-la para não gerar o pânico.

A revelação consta de Rage (Raiva), próximo livro do antigo jornalista do The Washington Post – que juntamente com Carl Bernstein revelou o escândalo Watergate na década de 1970 –, com lançamento marcado terça-feira, 15 de Setembro.

De acordo com a CNN e o Washington Post, que tiveram acesso antecipado ao livro e revelaram alguns áudios das entrevistas e partes do seu conteúdo, Bob Woodward fez 18 entrevistas ao Presidente norte-americano entre 5 de Dezembro de 2019 e 21 Julho deste ano.

Numa das entrevistas, no dia 7 de Fevereiro, Donald Trump admitiu que o coronavírus “é uma coisa mortal” que se transmite pelo ar. “Simplesmente respiramos o ar e é assim que é transmitido. Por isso é que é tão complicado. É muito delicado. É até mais mortal do que a gripe sazonal”, disse o Presidente.

Contudo, as declarações de Trump ao jornalista são completamente opostas às afirmações feitas em público. Realça The New York Times que apenas três dias depois daquela entrevista, quando os Estados Unidos tinham 11 casos de infecção, Trump disse que o país “estava em muito boa forma” e que as pessoas infectadas estavam “a recuperar rapidamente”. Duas semanas depois, dizia que o vírus estava controlado, afirmações que foi repetindo nas semanas e meses seguintes, tendo chegado a afirmar o vírus “iria desaparecer”.

No dia 19 de Março, uma semana depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a pandemia e de ter sido decretado o estado de emergência nos Estados Unidos, Trump, noutra entrevista a Woodward, admitiu que desvalorizou propositadamente a covid-19 para não criar o pânico.

“Eu sempre quis desvalorizar a situação. Continuo a desvalorizar, porque não quero criar o pânico”, afirmou Trump que, na mesma entrevista, mostrou-se preocupado com o facto de o vírus estar a afectar jovens e crianças.

“Parte [do vírus] é mistério, parte é maldade. Quando ataca, afecta os pulmões. E não sei, quando as pessoas são atingidas, são atingidas com força, e parece que não são só as pessoas mais velhas, Bob”, disse Trump, numa transcrição revelada pela imprensa americana. “Ontem e hoje [18 e 19 de Março], surgiram alguns factos surpreendentes. Não são só os mais velhos e os idosos. Os jovens também, há muitos jovens [infectados]”, rematou.

Uma preocupação que, novamente, contrasta com as declarações em público do Presidente, que em Agosto, numa entrevista à Fox News, afirmou que as crianças “são praticamente imunes” à covid-19, uma afirmação que não é corroborada pela ciência, o que levou o Twitter e o Facebook a retirar o vídeo da entrevista das respectivas redes sociais.

“Para lá de desprezível” 

Confrontado com as revelações trazidos pelo novo livro de Bob Woodward – que tem sido criticado por alguns jornalistas por ter esperado pelo lançamento do livro e não ter revelado logo as conversas com o Presidente –, Donald Trump afirmou aos jornalistas na quarta-feira à noite que as entrevistas contrastam com as suas afirmações em público porque não queria assustar os americanos.

“Não queremos instalar o pânico. Não queremos andar por aí a gritar que temos um problema, um problema tremendo, e assustar toda a gente”, afirmou. “Queremos mostrar confiança, queremos mostrar força enquanto nação, e foi isso que fiz. E temo-nos saído muito bem”, acrescentou, apesar de os Estados Unidos serem o país mais afectado pela pandemia em todo o mundo: mais de 6,3 milhões de infectados e mais de 190 mil mortes devido à covid-19.

O democrata Joe Biden acusou o adversário nas eleições presidenciais de 3 de Novembro de ocultar informação ao povo norte-americano, uma atitude “para lá de desprezível”.

“Ele tinha a informação. Sabia o quão perigoso era. Enquanto esta doença mortal devastou a nossa nação, ele falhou em fazer o seu trabalho propositadamente. Foi uma traição ao povo americano numa questão de vida ou morte”, afirmou o candidato do Partido Democrata, numa visita ao Michigan.

No Twitter, Biden afirmou que, caso Trump tivesse agido duas semanas mais cedo, “54 mil vidas podiam ter sido salvas só em Março e Abril”. “Donald Trump sabia que a covid-19 era perigosa. Sabia que era mortal. E desvalorizou-a propositadamente. Agora, quase 200 mil americanos estão mortos. Não teve qualquer consciência”, rematou.

No seu novo livro, Bob Woodward refere ainda que o imunologista Anthony Fauci, que tem sido o rosto do combate à covid-19 nos EUA, criticou a “política sem rumo” do Presidente na gestão da pandemia e afirmou que este apenas tem como objectivo a reeleição.

Rage traz ainda novas informações sobre os bastidores na Casa Branca, inclusive declarações de Trump sobre o movimento Black Lives Matter, ou detalhes sobre a relação do Presidente com os seus homólogos russo, Vladimir Putin, e norte-coreano, Kim Jong-un. É o segundo livro sobre Trump do emblemático jornalista que, em 2018, publicou Medo (ed. D.Quixote)