O canto de exílio português tem um pioneiro e o seu nome é Luís Cília

Foi o cantor e compositor português que mais discos gravou e lançou no exílio. O que faltará, para ter discos seus nas lojas?

A crónica da semana passada suscitou a um leitor um justo reparo: como é possível falar sobre exílio e canções de protesto sem mencionar Luís Cília? Na verdade, não é possível. Tanto assim é que Luís Cília também vai estar em Grândola, no Encontro da Canção de Protesto, como um dos participantes anunciados para a sessão testemunhal Cantos no Exílio (dia 19, às 12h), na qual participarão ainda Agnès Pellerin, Francisco Fanhais, Sérgio Godinho e Tino Flores. Não foi uma omissão voluntária, porque contava voltar ao tema, e faço-o falando de Luís Cília. Até porque paira sobre ele um anátema de exclusão do espaço público que deve ser vivamente contrariado.

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A crónica da semana passada suscitou a um leitor um justo reparo: como é possível falar sobre exílio e canções de protesto sem mencionar Luís Cília? Na verdade, não é possível. Tanto assim é que Luís Cília também vai estar em Grândola, no Encontro da Canção de Protesto, como um dos participantes anunciados para a sessão testemunhal Cantos no Exílio (dia 19, às 12h), na qual participarão ainda Agnès Pellerin, Francisco Fanhais, Sérgio Godinho e Tino Flores. Não foi uma omissão voluntária, porque contava voltar ao tema, e faço-o falando de Luís Cília. Até porque paira sobre ele um anátema de exclusão do espaço público que deve ser vivamente contrariado.

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Nascido no Huambo, em Angola, a 1 de Fevereiro de 1943, foi o poeta Daniel Filipe, que conheceu em 1962, quem o levou a musicar poetas portugueses, dando-lhe a ouvir discos de dois grandes intérpretes franceses, Léo Ferré e Georges Brassens. E é com essa bagagem que Cília chega a Paris no dia 1 de Abril de 1964, iniciando um exílio que duraria uma década. Não foi o primeiro cantor português a ali chegar, José Mário Branco já lá estava desde Junho de 1963, mas foi o primeiro a lançar-se em gravações. E foi aquele que mais discos gravou e lançou no exílio, onde também gravaram, mas uns anos mais tarde, José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Tino Flores.

Devido a ter conhecido a cantora Collete Magny (1926-1997), de quem ficaria amigo para o resto da vida, gravou logo em 1964 um primeiro LP, para a etiqueta Chant du Monde, intitulado Portugal-Angola - Chants de Lutte, reeditado dez anos depois com novo nome, Meu País, e com uma canção modificada, Duas melodias, devido às alterações entretanto operadas na ditadura em Portugal (a primeira falava de Salazar, a segunda já mencionava Marcello Caetano). No ano seguinte, 1965, sai um EP, Portugal Resiste, editado pelo Cercle du Disque Socialiste, onde surgiam, musicados por ele, três poemas de Manuel Alegre (Portugal resiste, Minha pena minha espada e País de Abril) e um de Reinaldo Ferreira (Menina dos olhos tristes, que José Afonso viria também a musicar e gravar mais tarde, em 1969). Na contracapa, em francês, um pequeno texto (não assinado) começava com estas palavras: “Pode-se humilhar um povo, condená-lo à miséria, metê-lo em prisões. Mas não se pode reduzi-lo ao silêncio.” O disco era prova disso.

No ano que antecedeu o do Maio de 68 (movimento em que Luís Cília se embrenhou, como outros cantores, actuando em diversos lugares), mais dois discos: um single com a banda sonora que compôs e interpretou para o filme O Salto, de Christian de Chalonge, e o primeiro LP de uma trilogia que gravou para a Moshé-Naïm, La Poésie Portugaise de Nos Jours e de Toujours. Sairiam ainda mais dois discos: o segundo em 1969, com ilustrações da pintora Vieira da Silva, já então radicada em França, e o terceiro em 1971 (24 das 40 canções gravadas nestes três discos foram coligidas em 1996, também pela Moshé-Naïm, num único CD ausente do mercado português). Por fim, ainda em Paris, Luís Cília fecha o ciclo na casa onde começara, a Chant du Monde, com o LP Contra a Ideia da Violência, a Violência da Ideia, lançado em 1974, à beira do fim da ditadura.

Depois veio o 25 de Abril, que o trouxe de avião (o mesmo onde viajaram José Mário Branco e Álvaro Cunhal, entre outros exilados), e começaram outras músicas e outras “guerras”, em que ele, pelo seu espírito rebelde e iconoclasta, foi fazendo um caminho muito próprio. De França, e do seu amor à chanson, trouxe ligações duradoras (Brassens, Magny, Ferré, envolvendo-se na edição do livro Léo Ferré, pela Ulmeiro, em 1984) e por cá foi-se desmultiplicando por projectos, discos em que voltou a trabalhar palavras de poetas (e começou logo em 1974 com O Guerrilheiro, com música e poesia portuguesa dos séculos XIII a XIX) como Eugénio de Andrade, Jorge de Sena e David Mourão-Ferreira, a par de música para bailado, teatro e cinema. Gravou cerca de 20 discos e está, felizmente, vivo. A página Luís Cília – Um Percurso regista a sua história. E tem muitas entrevistas, como a que deu ao PÚBLICO em 1993. O que faltará, para ter discos seus nas lojas?