Na Germânia, o historiador romano Tácito regista, quanto aos povos daquelas paragens, “autumni perinde nomem ac bona ignorantur”, ou seja, que eles ignoravam, quer o nome, quer as benesses do Outono. Algumas gerações antes, uma ode do poeta Horácio reagia deste modo ao avanço do Inverno: “Afasta o frio, repondo sem parcimónia na lareira/ a lenha” (Odes, Livros Cotovia, 2008, trad. Pedro Braga Falcão). Na metáfora eleita por Vítor Aguiar e Silva para título do seu mais recente livro parece-nos ecoar a memória viva do quadro histórico-literário a que pertencem aqueles dois autores. E, bem assim, a robusta solidez que pode existir nas estações do ano e da vida que são as derradeiras — oposta, na tenacidade do seu ânimo, à inclemência dos elementos e à passagem do tempo. A fórmula Colheita de Inverno, o próprio ensaísta e académico o afirma, tem “duas explicações: uma de natureza biográfica”, os 80 anos do autor, cumpridos em 2019, e outra “de natureza cultural”: a crise que tem afectado “a literatura, a teoria e a crítica literária” desde as últimas décadas do século passado. Não se trata, como facilmente se percebe, no caso de Aguiar e Silva, de um mero indicador editorial (a informação surge na contracapa de Colheita de Inverno), mas de um princípio que norteia os trabalhos reunidos neste importantíssimo volume agora editado. Desde o ensaio inaugural, “A Pós-Teoria: Eclipse ou Metamorfose da Teoria” até às sombrias reflexões tecidas a encerrar “A Poética da Alegoria e o Barroco” — “E não serão hoje as Faculdades de Letras alegorias barrocas benjaminianas, como unidades inorgânicas da Universidade em ruínas (...)? (...) Serão as Faculdades de Letras casas assombradas pelo anjo da história de Walter Benjamin?” (p.244) —, este livro ergue-se perante a perspectiva, ou constatação, de um universo em iminente colapso, ou que vive já uma posteridade. “Perante”, ou, melhor dito, “contra” essa possibilidade, ou facto concreto. Porque a atitude deste professor universitário, crítico e ensaísta nunca se quedará nas constatações fatalistas: pelo contrário. À trivialidade de afirmar uma ruína paralisadora, opõe Aguiar e Silva a plenitude actuante dos complexos caminhos levados a cabo pelas humanidades.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na Germânia, o historiador romano Tácito regista, quanto aos povos daquelas paragens, “autumni perinde nomem ac bona ignorantur”, ou seja, que eles ignoravam, quer o nome, quer as benesses do Outono. Algumas gerações antes, uma ode do poeta Horácio reagia deste modo ao avanço do Inverno: “Afasta o frio, repondo sem parcimónia na lareira/ a lenha” (Odes, Livros Cotovia, 2008, trad. Pedro Braga Falcão). Na metáfora eleita por Vítor Aguiar e Silva para título do seu mais recente livro parece-nos ecoar a memória viva do quadro histórico-literário a que pertencem aqueles dois autores. E, bem assim, a robusta solidez que pode existir nas estações do ano e da vida que são as derradeiras — oposta, na tenacidade do seu ânimo, à inclemência dos elementos e à passagem do tempo. A fórmula Colheita de Inverno, o próprio ensaísta e académico o afirma, tem “duas explicações: uma de natureza biográfica”, os 80 anos do autor, cumpridos em 2019, e outra “de natureza cultural”: a crise que tem afectado “a literatura, a teoria e a crítica literária” desde as últimas décadas do século passado. Não se trata, como facilmente se percebe, no caso de Aguiar e Silva, de um mero indicador editorial (a informação surge na contracapa de Colheita de Inverno), mas de um princípio que norteia os trabalhos reunidos neste importantíssimo volume agora editado. Desde o ensaio inaugural, “A Pós-Teoria: Eclipse ou Metamorfose da Teoria” até às sombrias reflexões tecidas a encerrar “A Poética da Alegoria e o Barroco” — “E não serão hoje as Faculdades de Letras alegorias barrocas benjaminianas, como unidades inorgânicas da Universidade em ruínas (...)? (...) Serão as Faculdades de Letras casas assombradas pelo anjo da história de Walter Benjamin?” (p.244) —, este livro ergue-se perante a perspectiva, ou constatação, de um universo em iminente colapso, ou que vive já uma posteridade. “Perante”, ou, melhor dito, “contra” essa possibilidade, ou facto concreto. Porque a atitude deste professor universitário, crítico e ensaísta nunca se quedará nas constatações fatalistas: pelo contrário. À trivialidade de afirmar uma ruína paralisadora, opõe Aguiar e Silva a plenitude actuante dos complexos caminhos levados a cabo pelas humanidades.