Revista Bantumen perdeu tudo em incêndio mas projecto vai seguir em frente
Na semana passada, na zona de São Bento, um incêndio deflagrou no piso superior de um edifício e desalojou 20 pessoas. Uma delas foi o co-fundador da revista centrada em cultura urbana da Lusofonia, Bantumen. Em sua casa estava o material de produção das peças para este projecto que tem cinco anos.
Eddie Pipocas vivia há 12 anos em São Bento, na Rua das Gaivotas, onde na semana passada deflagrou um incêndio num prédio vizinho ao seu. A trabalhar a partir de casa onde estava guardado quase todo o material da revista online que co-fundou, Bantumen, tinha ido comprar água ao supermercado prevenindo-se das regulares faltas de água causadas por obras no prédio. Até que recebeu uma chamada telefónica a avisar que o prédio estava a arder.
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Eddie Pipocas vivia há 12 anos em São Bento, na Rua das Gaivotas, onde na semana passada deflagrou um incêndio num prédio vizinho ao seu. A trabalhar a partir de casa onde estava guardado quase todo o material da revista online que co-fundou, Bantumen, tinha ido comprar água ao supermercado prevenindo-se das regulares faltas de água causadas por obras no prédio. Até que recebeu uma chamada telefónica a avisar que o prédio estava a arder.
Quando chegou já não conseguiu subir ao último andar “esconso” para ir buscar o que quer que fosse. “Perdi tudo, sobraram umas havaianas, os calções e a camisola que vestia na altura”, conta ao PÚBLICO esta terça-feira. Neste momento está numa pensão, um abrigo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa providenciou.
O tudo que perdeu não foram apenas bens pessoais, foi também material que lhe permitiu trabalhar no projecto que co-fundou, com Vanessa Sanches, há cinco anos, centrado na “cultura urbana da lusofonia”, com enfoque nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e na sua diáspora. Têm como objectivo, lê-se no site, criar “uma narrativa de empoderamento da comunidade negra lusófona”.
Apesar de não existir uma redacção física, têm uma sala alugada nas Laranjeiras, onde fazem entrevistas que depois disponibilizam também em áudio e vídeo. Mas o material — dois computadores, microfones, câmaras, etc — estava em casa de Eddie por razões de segurança, até porque foi lá que a Bantumen funcionou até há dois anos.
Do espólio ficou apenas o telemóvel da redacção, diz. No incêndio perderam ainda duas horas de gravações em áudio e vídeo com a equipa do filme O Fim do Mundo, de Basil da Cunha, vencedor da competição nacional do Indie Lisboa.
A casa era alugada e não havia seguro do recheio. O computador mais dispendioso estava segurado numa loja, que está a analisar se aquele cobre incêndios, mas outras coisas compraram em segunda mão, sem garantia. “A nossa empresa não era rentável, era sustentável”, desabafa.
Os dois fundadores, Eddie Pipocas (nome verdadeiro Edwaldo Pegado) e Vanessa Sanches, actualmente a viver em França, têm ambos 35 anos e o projecto nasceu depois de se terem conhecido no canal Sapo, onde trabalhavam como jornalistas, ela durante cinco anos e ele durante dois. “Percebemos que a linha editorial que queríamos dar na Sapo já não batia certo com o que pensávamos como jornalistas negros”, explica.
Eddie é um angolano a viver em Portugal há 20 anos e Vanessa é portuguesa. A Bantumen cresceu como uma revista generalista. Conta: “Conseguimos estar em toda a África lusófona com colaboradores”. Na redacção de Lisboa há três jornalistas fixos; Eddie diz que vive sobretudo do rendimento como distribuidor de música. Em Angola estão outros três jornalistas. Vanessa Sanches trabalha a partir de França. “Existe um amor muito grande pelo projecto, as pessoas trabalham mais pelo projecto do que pelo salário”, refere.
O financiamento do site vem do trabalho com marketing de conteúdos, publicidade pequenas marcas e peças de jornalismo patrocinado. “Não há financiamento de qualquer tipo”. Mas Eddie é peremptório: apesar da desgraça, o projecto vai seguir em frente. “Viemos do nada, saímos de um projecto rentável para lançar um a custo zero sem qualquer tipo de apoio. Não tem como [o projecto não se manter].”
Apesar do foco na cultura e na música em particular, refere ter conquistado um espaço que hoje lhe permite dar a conhecer outras realidades. "A nossa ideia é essa, escrever uma história real”, diz.
No site, a Bantumen escreveu sobre o sucedido com o título “O fogo levou-nos tudo": “Nada resistiu. Nada pessoal nem profissional. Não tendo uma redacção física, era nessa casa que todo o equipamento de trabalho do projecto era guardado. Depois de alguns dias de choque, interiorização da nova realidade, análise e procura de soluções imediatas, acreditamos que, mais do que nunca, a união da nossa comunidade é o alicerce do sucesso de cada um. É essa a premissa que, directa e indirectamente, mais professamos através do trabalho da Bantumen e que, depois desta tragédia, muito nos alivia saber que é real e não apenas uma utopia. Ao longo destes cinco anos, a Bantumen tem batalhado para sobreviver às dificuldades intrínsecas ao desenvolvimento de um projecto independente e de capital próprio. Esta é só mais uma dificuldade que se coloca no nosso caminho e que há-se ser ultrapassada.”
Neste momento está a decorrer uma campanha de recolha de donativos para ajudar a Bantumen nos prejuízos.