A importância das candidaturas de Ana Gomes e Marisa Matias à Presidência da República

Sendo a questão de género uma dimensão de destaque quando abordamos a temática das eleições presidenciais, estas duas candidaturas adquirem vigor ao imporem-se enquanto candidaturas com a identidade de respeito pela dignidade humana e pela igualdade entre os sexos.

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Marisa Matias e Ana Gomes PÚBLICO/DR

Numa altura em que está a ser aplicada uma atenção redobrada em relação à pandemia da covid-19, face ao aumento do número diário de casos e à abertura do ano lectivo, existe outro assunto que tem sido cada vez mais trazido ao debate público e aos media: as eleições presidenciais de Janeiro de 2021.

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Numa altura em que está a ser aplicada uma atenção redobrada em relação à pandemia da covid-19, face ao aumento do número diário de casos e à abertura do ano lectivo, existe outro assunto que tem sido cada vez mais trazido ao debate público e aos media: as eleições presidenciais de Janeiro de 2021.

É importante olhar para estas eleições e reflectir nas mesmas com seriedade. Para além de serem um momento em que iremos decidir quem será o presidente português durante os próximos cinco anos, trata-se de um quadro onde os candidatos, independentemente de quais sejam, se apresentam como aptos a liderar o país num contexto de crise de saúde pública, com as agravantes económicas e sociais que esta traz, e (a ajudar) a reconduzi-lo num determinado tipo de recuperação. Desta forma, o próximo Presidente da República será uma figura-chave para o tipo de representação nacional e internacional que Portugal terá e para o estilo de oposição e/ou de amparo que o Governo receberá.

Ora, se considerarmos as últimas sondagens, vemos que Marcelo Rebelo de Sousa, o actual presidente, surge com uma percentagem de intenção de voto de 67,7%, claramente suficiente para ganhar na primeira volta. E a importância da candidatura de Marcelo – que ainda não foi assumida pelo próprio, mas que se assoma mais do que provável – é inquestionável. Um presidente com o seu grau de fama e proximidade da população e as suas inteligência e sabedoria políticas, adicionando a isto a experiência do cargo já ocupado, torna-se um candidato relativamente óbvio e essencial numa corrida a Belém. Uma candidatura, pois, à direita e democrática é claramente relevante e a de Marcelo, em particular, é fortemente sedutora. No entanto, o problema existe em relação a outro corredor nesta competição, a uma outra direita que só com alguma sorte pode ser assim chamada, dada a grande radicalização que tem sofrido e incentivado, quase saindo do espectro político da democracia: o candidato André Ventura, fundador do Partido Chega.

Nesta fase, Ventura aparece nas sondagens com 10% de intenção de voto, ou seja, no segundo lugar, apenas atrás de Marcelo. A sua agenda político-partidária tem atraído muitos sectores conservadores da vida social que se revêm no pragmatismo redutor, sobretudo ao nível das questões de género, sexualidade e étnicas, que Ventura defende e proclama. Contudo, este candidato poderá muito bem adquirir outros potenciais eleitores através de uma certa irritação que estes sentem relativamente a Marcelo Rebelo de Sousa e à sua atitude normalmente consensualista perante o Governo de António Costa. Isto não é, de todo, saudável em democracia, pois acaba por não existir alguém à direita, entre Marcelo e Ventura, suficientemente impulsionador para ganhar uma quantidade de votos significativa e, por outro lado, votos que necessitariam dessa direita consolidada e moderada acabam por seguir para alguém que contraria vários dos direitos humanos com o seu discurso odioso e incentivador da discriminação e da exclusão.

Por isso, e embora pareça ser uma espécie de remendo face a esta direita necessária e, porém, inexistente, nada melhor do que a esquerda se assumir e lançar os seus candidatos. E aqui emergem duas candidaturas especiais que constituem uma grande arma contra a propaganda extremista e pela diversidade democráticas. Em primeiro lugar, destaco a de Marisa Matias. A candidata do Bloco a Belém — que, nas últimas presidenciais, se posicionou em terceiro lugar — é uma mais-valia para o partido e para os portugueses em geral. Longe de atrair um eleitorado da direita intermédia a Ventura e a Marcelo, Marisa Matias consegue, porém, avocar para o voto os grupos etários mais jovens e as minorias étnicas, desviando votos de Ventura para si num estilo de jogo do espelho ideologicamente inverso e opositor. E assim o Bloco, contrariando a extrema-direita, assume novamente um candidato jovem, afectuoso e coerente naquilo que defende.

Ana Gomes é, por sua vez, a outra candidata fundamental para estas eleições. À parte o suspense do avanço da sua candidatura, trata-se de alguém com experiência no terreno e em cargos políticos de importância elevada e, principalmente, alguém que sustenta uma admirável luta contra a corrupção, um dos grandes males de Portugal e tantas vezes criticado, mas muitas vezes pouco pelejado. Sobretudo devido a este ponto, Ana Gomes consegue arrecadar votos de praticamente todo o espectro partidário e de todas as faixas etárias, condições classistas ou representações culturais, visto que o combate à corrupção é um tema dotado de intemporalidade e que vem progressivamente auferindo adeptos. Assim, afasta-se da ideologia de Ventura, mas consegue aproximar-se-lhe em termos de sondagens, sendo uma candidata deveras relevante para definir o encaminhamento destas eleições presidenciais.

Matias e Gomes têm ainda uma vantagem que as torna candidatas especiais na corrida: o facto de ambas serem mulheres. Sendo a questão de género uma dimensão de destaque quando abordamos a temática das eleições presidenciais, estas duas candidaturas adquirem vigor ao imporem-se enquanto candidaturas com a identidade de respeito pela dignidade humana e pela igualdade entre os sexos.

Assim, e apesar de acreditarmos que Marcelo será novamente candidato a Belém, precisamos de ver para além do “presidente-rei” ou “presidente-estrela” e saber que existem candidatos igualmente à altura da tarefa de comandar o país. Para isso, e contra o legado que Ventura tem gerado em torno de propostas polémicas e afirmações lamentáveis, manifesta-se fulcral acreditar numa esquerda com anseio de pugnar pelos direitos humanos – como muito bem o fazem Ana Gomes e Marisa Matias – e, claro, numa direita a surgir recuperada e revitalizada.