De Tutankamon ao trambiqueiro
Como se costuma dizer, ele há feitios para todos os gostos e, na verdade, este pequeno país vai de um extremo a outro. Ao lado de Tutankamon, Cavaco era um sorridente. E de repente em Belém foi cair uma estrela da televisão, um trambiqueiro.
Dá que pensar o modo como os portugueses têm escolhido os dois últimos Presidentes da República. O povo que elegeu o conservadoríssimo e provincianíssimo Cavaco, que se gabava de ser doutorado pela Universidade de York, é o mesmo que elegeu o trambiqueiro Marcelo, que voltará a ser eleito em 2021.
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Dá que pensar o modo como os portugueses têm escolhido os dois últimos Presidentes da República. O povo que elegeu o conservadoríssimo e provincianíssimo Cavaco, que se gabava de ser doutorado pela Universidade de York, é o mesmo que elegeu o trambiqueiro Marcelo, que voltará a ser eleito em 2021.
Dois conservadores que conviveram bem com a ditadura de Salazar/Caetano. Dois políticos que se arvoram em estar por cima da política.
Um fazendo de Belém uma catacumba de submissão à austeridade de braço dado com Passos e Portas, depois de anos antes jurar colaboração com Sócrates quando este tinha 50% dos votos. Um fingido para chegar ao mais alto cargo. Sempre com um ar agastado de quem acha que ninguém o merece, ele que foi de longe o que teve uma carreira política mais ziguezaguiante de ambição desmedida e que se apresentava como um padre da aldeia que, para não pecar, não lia jornais em público.
Foi este homem feito de lugares comuns que entrou na cabeça dos portugueses, que não hesitaram em dar-lhe os seus votos. Foi-se embora cheio de rancor face ao acordo do PS com os partidos à sua esquerda, chegando a exigir um documento escrito para indigitar Costa, que acabou por não o fazer, sendo certo que era o Parlamento quem tinha a palavra definitiva. Foi-se para o seu canto chocar com a realidade, como ele gostava de piar.
Veio este de mil peles feito desde estarola a professor, de comediante a fofoqueiro, de beijoqueiro a sabichão, de agente de enterro a aplicador de cataplasmas, de socorrista de avionetas e fogos a mergulhador fugindo às regras covidianas, de controleiro da DGS a bebedor de ginginha no meio do maralhal, de surfista a homem de levar a câmara para o barbeiro, de dançarino a equilibrista, de organizador de auto-excursão à Festa do Avante! com cantoria para têvê mostrar à pomposa e solene declaração de Castro Marim em que, com ar pesaroso, anunciou ao país, certamente com conhecimento prévio de António Costa e Marta Temido, que em setembro ele não contava com mais de 100 casos de infeção diários.
Et voilá, Mr. le Président teria seguramente dados fornecidos por alguém deste mundo, mas que se desconhece a proveniência (embora a transparência para Marcelo seja um dos mais altos valores que diz prezar) e que apontavam para cem casos diários, mais pico, menos pico. Assim falou Rebelo de Sousa em fala presidencial.
Quem o viu reparou no ar condoído, embora as suas funções enumeradas na Constituição da República não contemplam sentimentos e expectativas, imagina-se que o Sr. Presidente quis dar a mão à Senhora Dra. Marta Temido e, para a proteger, deu a entender que muito provavelmente ela lhe teria segredado aquele número especial de infeções.
E porquê Marta e não Costa? Porque se sabe que Rebelo de Sousa não vai à missa (só para beijar o cardeal) com o irritante otimismo do primeiro-ministro.
Como se costuma dizer, ele há feitios para todos os gostos e, na verdade, este pequeno país vai de um extremo a outro. Ao lado de Tutankamon, Cavaco era um sorridente. E de repente em Belém foi cair uma estrela da televisão, um trambiqueiro.
Só os portugueses vão do oito para o oitenta em escassos segundos, tal a força que os anima. O problema é se se habituam a percorrer o caminho dos basbaques. Artista já há, e a temporada de cinco anos avizinha-se.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico