Quanto os media cuidam do seu público?
A relação que os media estabelecem com os seus públicos, audiências ou comunidades está na base da sobrevivência do setor. A palavra-chave é estimar.
Todas as pessoas têm momentos marcantes na sua existência. Do nascimento à morte de alguém próximo ou meramente conhecido, passando pela conclusão de ciclos de estudos, casamento e outras conquistas. À exceção de figuras ilustres no país e no mundo, a vida do mais comum dos cidadãos fica, aos olhos dos media, no desconhecido. Porém, podemos encontrar o oposto, designadamente nos media de proximidade. Ainda hoje alguma da imprensa local portuguesa publica não só o nome das pessoas que morreram, como em alguns casos também os nascimentos, os batizados, os casamentos e a obtenção de graus académicos.
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Todas as pessoas têm momentos marcantes na sua existência. Do nascimento à morte de alguém próximo ou meramente conhecido, passando pela conclusão de ciclos de estudos, casamento e outras conquistas. À exceção de figuras ilustres no país e no mundo, a vida do mais comum dos cidadãos fica, aos olhos dos media, no desconhecido. Porém, podemos encontrar o oposto, designadamente nos media de proximidade. Ainda hoje alguma da imprensa local portuguesa publica não só o nome das pessoas que morreram, como em alguns casos também os nascimentos, os batizados, os casamentos e a obtenção de graus académicos.
A reflexão que mobilizo nestas linhas decorre da leitura de um artigo recentemente publicado no Poynter – instituto para o estudo dos media, nos EUA – com o título “podem os obituários salvar as notícias locais?”. Nesse artigo, Steven Waldman – presidente e cofundador do Report for America, um programa de serviço nacional que coloca jornalistas emergentes nas redações locais – defende que momentos marcantes na vida das pessoas são oportunidades únicas para as redações locais se ligarem à comunidade. Algo que os media nacionais ou as redes sociais dificilmente conseguem fazer. “Não há literalmente nada mais importante para as pessoas na sua comunidade, do que a morte dos seus pais ou o nascimento dos seus filhos”, conclui.
Enquanto nas redações dos media nacionais a atenção está mais dispersa geograficamente, nas dos media de proximidade ela está mais circunscrita. Quanto menor for o território ou a comunidade, maior a possibilidade de conhecimento mútuo. É esse vínculo que importa (re)estabelecer. Nisso têm insistido os estudos académicos nos últimos anos, designadamente quando falam em “engagement” – relação que os media estabelecem e dinamizam com o seu público. A sobrevivência dos media passará por aí, isto é, estimar o seu público e não o considerar como mero consumidor. Isso implica recursos e, sobretudo, disponibilidade. Porque por muita tecnologia que possamos ter, nada substitui aquilo que são características de relação entre seres humanos: a empatia, a estima, o afeto, a emoção ou o sentimento de pertença.
Tenho um amigo que diz – em jeito de piada – que começa a ler os jornais a partir das últimas páginas, para saber se a sua fotografia vem no obituário. Curiosamente, é um hábito que se estende a outras pessoas que fui conhecendo ao longo da vida. Geralmente mais velhas. O objetivo é saber se naquela secção encontram alguém conhecido. Aquele é um lugar de informação útil, no qual o jornal agrega o que recolhe junto das agências funerárias. Quando, em 2012, estava de volta do trabalho de campo para a tese de doutoramento, o jornalista de um meio local contava-me que nos EUA existiam jornais com conteúdo exclusivamente em torno de pessoas entretanto falecidas. Sobretudo reportagens, que davam a conhecer a vida de determinada pessoa. Na mesma ocasião, o mesmo jornalista confidenciava que o seu jornal tinha decidido começar a transpor para o respectivo website o obituário que publicava na edição semanal. Resultado? Perceberam que o espaço de comentários era usado para as habituais condolências à família, mas também havia quem se dirigisse à pessoa falecida, em jeito de dedicatória ou de despedida.
Termino com mais dois exemplos, reveladores de como os media de proximidade podem cuidar o seu público. O primeiro refere-se ao mirandês – segunda língua oficial em Portugal – que tem sido alvo de iniciativas que visam a sua preservação. A presença regular nos media é disso exemplo. Aconteceu em 1882, em O Penafidelense, e, até há cerca de uma década, no Mensageiro de Bragança e no Nordeste (Jerónimo, 2015: 133). Neste momento, desconhece-se se este tipo de iniciativas em torno da preservação da identidade de uma comunidade se mantém. Seja como for, é digno de registo o papel que os media de proximidade tiveram e têm na preservação de memórias, identidades e culturas.
O segundo exemplo é-nos trazido pelo jornal O Mirante, que há anos explora no ambiente digital aquela que era uma das particularidades dos jornais locais: felicitar as pessoas da terra por ocasião do seu aniversário. “Diariamente são publicadas notícias intituladas ‘Parabéns [nome]’, que informam os utilizadores do aniversário de algumas personalidades ligadas ao espaço geográfico ou comunidades em que intervém O Mirante. Nelas é feito um breve resumo do percurso da personalidade em causa. Sobre este achado, podemos inclusivamente acrescentar que é caso único a nível nacional, não tendo sido encontrado este tipo de conteúdo informativo em qualquer outro ciberjornal – entre as cerca de duas centenas estudadas” (Jerónimo, 2015: 321).
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico