Agitar as águas da Educação para a Cidadania
Treze anos passados, apesar de muitas e meritórias iniciativas de promoção da Educação para a Cidadania, o problema de fundo — o déficit de cidadania jovem — mantém-se.
No discurso de 5 outubro de 2007, o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva desafiou os portugueses para “um novo olhar sobre a escola e o modelo escolar, construído à luz da ideia da inovação social”. Defendeu, na altura, “a implementação de novas estratégias, conceitos e práticas”, apelando ao envolvimento mais ativo e participante dos pais, das autarquias e da sociedade civil de forma a “promover um verdadeiro sentimento de comunidade em relação à escola e ao sucesso educativo” (RTP, 5/10/2007).
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No discurso de 5 outubro de 2007, o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva desafiou os portugueses para “um novo olhar sobre a escola e o modelo escolar, construído à luz da ideia da inovação social”. Defendeu, na altura, “a implementação de novas estratégias, conceitos e práticas”, apelando ao envolvimento mais ativo e participante dos pais, das autarquias e da sociedade civil de forma a “promover um verdadeiro sentimento de comunidade em relação à escola e ao sucesso educativo” (RTP, 5/10/2007).
Mais tarde, na alocução das comemorações do 25 de abril, Cavaco Silva alertou para o desinteresse dos jovens face à política. Numa sessão posterior com representantes de associações juvenis, referiu que “a formação cívica é essencial para a qualidade da democracia”. Ouviu recomendações para que se “integrasse a formação cívica nos planos curriculares”. A sugestão feita “unanimemente foi a de se promover a educação para a cidadania”. No final da reunião que considerou muito importante, um verdadeiro “agitar das águas”, prometeu dar conta das conclusões a todos os órgãos de soberania referindo que aquelas deviam “ser conhecidas por todos aqueles que se preocupam com a qualidade da nossa democracia e não se resignam à fatalidade” (JN, 13/05/2008).
As intervenções do Presidente tiveram eco e contribuíram, por exemplo, para inspirar a realização de um concurso escolar sob o tema “Cidades criativas — reflexão sobre o futuro das cidades portuguesas” (2007/08), desenvolvido no âmbito da Área de Projeto do 12.º ano. O concurso teve uma inesperada adesão, mobilizando mais de 2000 alunos e 275 professores de 130 municípios que ao longo de nove meses realizaram centenas de projetos num exercício prospetivo das suas vilas e cidades, resultado de uma forte comunhão de esforços entre escolas, famílias, autarquias e os agentes culturais, sociais e económicos locais, mostrando que os jovens participam civicamente desde que se criem as condições adequadas.
Treze anos passados, apesar de muitas e meritórias iniciativas de promoção da Educação para a Cidadania, o problema de fundo — o déficit de cidadania jovem — mantém-se. Por exemplo, nas últimas eleições apenas “19% dos jovens se dirigiram às urnas”, já o último Eurobarómetro refere que “só 3% dos jovens portugueses admitem estar absolutamente seguros da sua participação no próximo ato eleitoral”, um sinal preocupante.
Conscientes de que se trata de um problema global, várias organizações internacionais têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de colocar a Educação para a Cidadania no centro da ação política dos governos. As Nações Unidas, por exemplo, consagram-na na meta da Educação (4.7) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015) e a União Europeia conferiu-lhe importância como eixo principal da Estratégia para a Juventude (2010-2018), o que conduziu a que 2011 fosse considerado o Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa.
A nível nacional, a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), promulgada quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, fundamenta nos seus princípios gerais “a importância do sistema educativo português na formação de cidadãos e cidadãs livres, responsáveis, autónomo/as, solidário/as, que respeitam a outras pessoas e as suas ideias, capazes de intervir democraticamente na sociedade e de se empenharem na sua transformação progressiva”. Recentemente, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017) recomendou “o reforço da implementação da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento em todos os níveis de educação e ensino”.
Num estudo realizado pela Comissão Europeia em 2017, foram analisados vários programas educativos europeus e concluiu-se que a educação para a cidadania está integrada nos currículos nacionais do ensino geral em todos os países. Reconhecendo a heterogeneidade de contextos, são referidas três grandes conclusões: a existência de modelos alternativos de formação, em alguns casos integrados noutras disciplinas; a necessidade de promover a participação dos alunos e encarregados de educação na governança da escola; e a importância de haver professores com formação especializada.
A unidade curricular Educação para a Cidadania foi criada com o objetivo de “contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo”. Certamente que qualquer cidadão consciente deseja que estes princípios estejam presentes na formação dos jovens deste país. O trabalho da escola pode ser, nesse sentido, muito importante e útil. Certamente que há limitações na capacidade de alcançar aqueles objetivos, seja pela formação e motivação dos professores, seja pela maior ou menor cultura cívica instalada. É, pois, possível que haja aspetos menos conseguidos na lecionação ou práticas que possam, em alguns casos, desvirtuar os pressupostos para que foi criada. Contudo, é importante alguma ponderação na avaliação dos meios e dos resultados e ter o cuidado de “não deitar o bebé com a água do banho”.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico