Lisboa vai ter uma casa para pessoas trans imigrantes

O projecto é uma tentativa de resposta a uma cidade com uma crise habitacional particularmente insustentável para pessoas em posições marginalizadas. A casa tem sido financiada através do site de angariação de fundos Gofundme para pagar a caução e as primeiras rendas.

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“Até aqui, sinto que nós estávamos muito sós, cada uma remando no seu percurso. E a intenção da Casa T é que a gente possa, de nós para nós, nos cuidarmos, nos olharmos e dialogar com mais pessoas.” Sem esconder o orgulho na voz, é o que conta Aquilla, uma das fundadoras de um projecto inédito em Lisboa. A Casa T é uma casa feita por pessoas trans e imigrantes para pessoas trans e imigrantes.

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“Até aqui, sinto que nós estávamos muito sós, cada uma remando no seu percurso. E a intenção da Casa T é que a gente possa, de nós para nós, nos cuidarmos, nos olharmos e dialogar com mais pessoas.” Sem esconder o orgulho na voz, é o que conta Aquilla, uma das fundadoras de um projecto inédito em Lisboa. A Casa T é uma casa feita por pessoas trans e imigrantes para pessoas trans e imigrantes.

O projecto, nascido no “meio da pandemia”, é uma tentativa de resposta a uma cidade com uma crise habitacional particularmente insustentável para pessoas em posições marginalizadas. Aquilla veio do Brasil para Lisboa há três anos. Três anos difíceis, marcados por constantes mudanças de casa. 

“A gente não era bem cuidada, finalizando com a expulsão, o despejo. É necessário educar os senhorios para que saibam que somos seres humanos normais, que podemos habitar uma casa, pagar e cuidar da mesma forma que um corpo cis [cisgénero, alguém com a mesma identidade de género que lhe foi atribuída à nascença, em oposição a uma pessoa transgénero]. Tive uma trajectória de três anos de muito diálogo e negociação. Isso que estamos criando aqui é um embrião de muita coisa que há-de vir pela frente, muitas negociações que ainda vão ter de abrir. Só que agora a gente começa a negociar sem estar na rua, sem ter medo de sair.” 

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Não tendo qualquer tipo de apoio estatal, a casa tem sido financiada através de um crowdfunding no site de angariação de fundos Gofundme, com o objectivo de pagar a caução e as primeiras rendas. Diogo Ventura

O projecto ainda mal começou mas a organização acredita que tem pernas para andar. Não tendo qualquer tipo de apoio estatal, a casa tem sido financiada através de um crowdfunding no site de angariação de fundos Gofundme, com o objectivo de pagar a caução e as primeiras rendas. Quanto ao resto, como mobília ou equipamento de trabalho, tem sido disponibilizado por membros da comunidade, aceitando-se também doações. Apesar disso, Aquilla realça que a casa ainda necessita de “auxílio empresarial ou estatal para apoio jurídico e psicológico”. 

A Casa T distingue-se de outras iniciativas de auxílio a pessoas LGBTQI+, uma vez que a intenção é a criação de uma rede que possa crescer e que sirva de habitação permanente e espaço de trabalho aos seus membros. Além do mais, por vezes as pessoas racializadas e imigrantes são discriminadas mesmo dentro desses espaços mais seguros, diz Luan, também membro e fundador.

Quando conseguirem ultrapassar esta primeira fase, pretendem encontrar outras casas onde se possa replicar o modelo e fortalecer laços na comunidade local. Aquilla sorri e chama-lhe um queerlombo, trocadilho com a palavra queer e quilombo, nome dado a comunidades de antigos escravos que fugiam das fazendas no Brasil. O panorama e as referências coloniais ainda deixam marcas, até porque uma das prioridades da iniciativa é o auxílio no acesso à documentação adequada para as habitantes. “A gente não tem acesso ao mercado de trabalho, a não ser à prostituição, que é ilegal. Não temos acesso aos espaços de construção de intelectualidade. Não temos os ingredientes para a legalização”, lamenta. Por essa razão, advogam também a existência de quotas de contratação de pessoas trans em empresas privadas e locais de ensino. “Quanto mais empresas pudermos colocar nessa rede, melhor. Para que tenham 20, 10, 5%, o que seja, das suas vagas destinadas [a pessoas trans], que é o que ainda não existe em Lisboa”. 

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Diogo Ventura

A documentação é essencial em vertentes distintas, permitindo um acesso mais fácil às hormonas e cuidados de saúde que possibilitem a autodeterminação de género. Além disso, só com documentos é que é possível fazer a rectificação do nome, nos casos em que este não corresponde à identidade do indivíduo, bem como aceder a empregos e à habitação. 

Luan e Aquilla fazem uma tour pela casa, sentando-se no quintal soalheiro. “Esse quintal é onde a gente vai fazer feijoada, dança, saraus…Essa sala tem potencial para virar quarto, colocarmos beliches…”, planeiam. De momento, a casa tem espaço para seis pessoas. Conseguiram negociar com a senhoria para não terem de pagar tudo de uma vez. No entanto, por agora ainda só conseguem acolher quem entre em contacto directo e esteja numa situação de urgência extrema, como risco de despejo, uma vez que a casa ainda não tem nem os equipamentos nem as condições financeiras necessárias para funcionar de forma plena.

Texto editado por Ana Fernandes